Qualis - ISSN - 1806 - 1362 / DOI 10.17143 / abed1995
 




 

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Mídia Educativa, Treinamento e Educação a Distância: Quase um manifesto

Samuel Pfromm Netto

Professor (aposentado) do Instituto de Psicologia da USP, dirige em São Paulo a PNA - Pfromm Netto & Associados, <pna@pna.com.br>. Dedica-se ao ensino e ao treinamento a distância e presenciais, tendo liderado programas e iniciativas no âmbito do emprego do cinema, rádio, tevê, computador e materiais impressos para fins de aprendizagem e ensino. Presidiu a Funtevê do MEC (hoje Fundação Roquette Pinto) em 1983-84 e foi o responsável pelo setor de programas educativos da TV Cultura/Fundação Padre Anchieta de São Paulo (1972-75), tendo participado ativamente dos esforços que redundaram na introdução do ensino por meio de computadores no Brasil. Com mais de 40 livros publicados, pertence à Academia Paulista de Psicologia e à Academia Paulista de Educação.

Abstract

This short article is presented to set the scene for the theme of "Instructional Design for Distance Education" that is being explored in current issues of the Brazilian Review of Open and Distance Learning. It is intended to be provocative and to raise questions that should be addressed in other articles in this series and also debated further by the readers.

Resumo

Este pequeno artigo é apresentado para  introduzir o tema "Design Instrucional para Educação à Distância" que está sendo explorado nas atuais edições da Revista Brasileira de Aprendizagem Aberta e a Distância. Foi escrito para provocar reações e levantar questões que devem ser consideradas nos outros artigos da série e também debatidos pelos leitores.

Mídia Educativa, Treinamento e Educação a Distância: quase um manifesto.

Às pessoas que contam com sólida base de conhecimentos e experiência prática efetiva na produção e na pesquisa científica de bom ensino a distância e treinamento e desenvolvimento de recursos  humanos, não deixam de constranger e preocupar certos rumos que, de uns tempos para  cá, vêm  prosperando entre nós, nesses domínios. Entidades e organizações respeitáveis,  açodada e ingenuamente, oferecem hoje programas de ensino a distância de baixa  qualidade a  funcionários e ao público externo - estudantes e   profissionais - elaborados a trouxe-mouxe, sem qualquer avaliação prévia, o mais das vezes revelando um completo desconhecimento de rudimentos psicológicos e pedagógicos acerca da aprendizagem humana. Formas bizarras de proceder, tranqüilamente apregoadas em cursos, palestras e conferências, versam sobre coisas como astrologia e grafologia na seleção de pessoal, "mentalizações", "aprender dormindo", ensinar por transmissão de pensamento, programação neurolinguística e outras potocas. Pior do que esse aranzel de pseudo-técnicas, algumas com rótulos extravagantes, é a proliferação em larga escala de ensino-aprendizagem presencial e(ou) a distância de uma fragilidade estarrecedora, que não só ilude e decepciona os incautos como também gera descrédito e dúvida em relação à mídia a serviço da educação, à aprendizagem fora das salas de aula, ao uso honesto e competente de recursos que, bem utilizados, sob a responsabilidade de profissionais capacitados, permitem que mais e mais pessoas aprendam mais e melhor.

Superficialidade e ignorância muitas vezes se escondem por trás de rótulos cintilantes. O que se pretende aqui é alertar para a necessidade de rever, com urgência, os fundamentos do que vem sendo feito entre nós, na atualidade, em relação aos desafios, cada vez mais prementes, de (a) proporcionar educação e treinamento realistas, efetivos, geradores de fato de novas habilidades, novos conhecimentos, nas pessoas; (b) ampliar desmedidamente o número de cidadãos melhor preparados para a vida e o trabalho; (c) instituir uma consciência compartilhada por todos de que aumentou extraordinariamente o rol de conhecimentos, habilidades e atitudes indispensáveis à sobrevivência de qualquer pessoa nas sociedades de hoje em dia, profundamente afetadas por itens como tecnologia, competitividade, globalização, cidadania responsável, necessidade de atualização contínua e agravamento de problemas sociais; (d) amadurecer e profissionalizar o ensino-aprendizagem proporcionado às crianças e aos jovens, de modo que desapareçam para sempre essas legiões de crianças e jovens portadores de diplomas que, no entanto, mal sabem ler, escrever e efetuar cálculos simples; (e) injetar no corpo profissional de educadores e treinadores uma supercarga de informações e habilidades, hauridas das melhores fontes do mundo, sobre o atual estado da arte em matéria de ensino, treinamento, seleção e avaliação; (f) fomentar tanto a avaliação formativa como a somativa de todo e qualquer programa de educação a distância, de maneira que este disponha de resultados que comprovem a qualidade do ensino que proporcionam, em não importa que área de conhecimento ou competência.

Limitando-nos aqui à área de educação e treinamento a distância e de utilização da mídia nesse contexto, dispomos, hoje em dia, de um acervo respeitável de teorização e resultados de pesquisas empíricas, notadamente as de caráter quantitativo e que se valem de metodologia científica segura, que fornece bases confiáveis para o trabalho nesta área. As principais fontes desse conhecimento são a psicologia (notadamente nas suas vertentes cognitiva e comportamental, com ênfase em psicologia da aprendizagem e da memória), a pesquisa em mídia, a pesquisa empírica em educação e a ciência do treinamento, esta última com forte conotação psicológica (v. a este respeito a revisão de literatura de Salas e Cannon-Bowers, 2001). Trata-se de uma literatura caracterizada por rigor conceitual e metodológico que contrasta vivamente com certas versões "soft" que circulam por aí. Numerosas publicações periódicas são consagradas a essa temática, a maioria delas em inglês, e um bom punhado de livros fornece referencial seguro aos estudantes, estudiosos e praticantes. Parte dessa produção bibliográfica está ligada a teses, dissertações e programas de pesquisa originados de universidades e centros universitários de pesquisa, mas existem igualmente contribuições substantivas de instituições e centros ligados às forças armadas (exército, marinha, aeronáutica) no exterior, bem como a organismos de pesquisas nas áreas industrial, comercial, de serviço e governamental. A título tão somente de exemplos, eis algumas de muitas publicações periódicas que agasalham textos de pesquisas relevantes:

- American Journal of Distance Education;
- Annual Review of Psychology, anual;
- Applied Cognitive Psychology;
- British Journal of Educational Technology;
- Cognition;
- Cognitive Science;
- Communication Abstracts;
- Communication Yearbook, anual;
- Educational Media and Technology Yearbook, anual;
- Educational Media International;
- Educational Technology;
- Educational Technology Abstracts;
- Educational Technology Research and Development;
- Educational Technology Review;
- Human Factors;
- International Journal of Instructional Media;
- Journal of Applied Psychology;
- Journal of Cognitive Psychology;
- Journal of Communication;
- Journal of Educational Media;
- Journal of Educational Psychology;
- Journal of Experimental Psychology - Human Perception and Performance;
- Journal of Experimental Psychology - Learning, Memory, and Cognition;
- Journal of Interactive Learning Research;
- Journal of Research on Computing in Education;
- Journal of the Learning Sciences;
- Learning and Motivation;
- Memory & Cognition;
- Military Psychology;
- Perceptual & Motor Skills;
- Personnel Psychology;
- Quarterly Review of Distance Education;
- Tech Trends;
- Training;
- Training and Development;
- Training Research;
- Trends in Educational Technology, annual.


Além disso, dispomos, hoje em dia, de dois excelentes mapas-múndi neste território: o volume editado por Jonassen (1996) e o livro de Dills e Romiszowski (1997).

Em livro cuja edição revista foi publicada há pouco tempo (Pfromm Netto, 2001), procuramos fornecer ao leitor um quadro de referência para a identificação e a compreensão de bom número de variáveis e fatores que devem ser levados em consideração, no planejamento, produção e uso da mídia educativa e nos programas de educação a distância, retomando e ampliando consideravelmente o que tinha sido dito a este respeito em obras anteriores (Pfromm Netto, 1977, 1987). Interessa, aqui, menos considerar o que se acha nesse quadro de referência e o que falta, do que sublinhar que fazer educação (ou treinamento) a distância e usar mídia na educação presencial ou não presencial exigem um domínio incomparavelmente maior de conhecimentos e práticas do que geralmente se supõe. Saber "lidar com as máquinas" e ceder à tentação de fazer shows de tevê comercial ou limitar-se a despejar no computador o que está em livros, intercalando perguntas ou "reflexões" e atividades práticas por parte do aprendiz, não passa de arremedo de ensino.

Há problemas em penca, quando se dá início a um trabalho de desenho instrucional, tanto no caso de aprendizagem presencial como no da aprendizagem a distância. Existem procedimentos amparados em literatura de pesquisa para (a) conhecer os aprendizes, especificar e avaliar pré-requisitos; (b) especificar objetivamente objetivos mensuráveis, em termos de competências finais claramente definidas (não confundir essa especificação objetiva de competências finais com o verdadeiro carnaval de bobagens que vem sendo semeado no país acerca de competências na educação, ao arrepio de tudo quanto foi pesquisado a este respeito desde os anos 60-70); (c) analisar estruturalmente o corpo de conhecimentos, habilidades, atitudes etc., que se pretende desenvolver no aluno, recorrendo a mapeamentos cognitivos, análise comportamental e outros recursos, para a determinação de conhecimentos declarativos e procedimentos, atitudes, padrões de comportamento, habilidades motoras complexas etc.; (d) estabelecer seqüências otimizadas de fluxo de informações, selecionar exemplos e contra-exemplos adequados; (e) determinar arranjos ótimos de informações verbais e icônicas; (f) preparar perguntas, práticas e tarefas a fazer, testes de percurso etc., que serão embutidos no programa; (g) elaborar instruções simples, claras, bem concatenadas, para orientação dos aprendizes; (h) elaborar instrumentos confiáveis de avaliação somativa; (i) preparar materiais adicionais requeridos para a aprendizagem; (j) formatar e pré-testar unidades e sub-unidades sob a forma de materiais ou aulas-piloto, junto a amostras representativas da população-alvo; (l) analisar os resultados referentes ao item anterior e proceder às revisões e mudanças necessárias.

Salta logo à vista que a concepção e a concretização de um projeto atento não só aos itens citados mas a problemas, peculiaridades, limitações e à disponibilidade de recursos, quando se trata de treinamento de pessoal ou de educação a distância, não podem ser resolvidos com passes de mágica nem com um conhecimento bisonho do que é ensinar e aprender. Menos ainda, recorrendo ao palavrório daqueles que, apoiados em clichês que estão em moda, têm pouca ou nenhuma preocupação com resultados mensuráveis, comprobatórios de que o aprendiz efetivamente aprendeu, quer se trate de ensino em sala de aula, quer se refira a e-learning, universidade corporativa, educação continuada, telecurso, escola aberta.  Rótulos pomposos não bastam e podem ocultar malogros monumentais, quando inexiste um trabalho escorado em bases sólidas de conhecimento empiricamente comprovado, originado de pesquisas sérias e não de entusiasmos passageiros, belas teorias de fulano ou beltrano... ou simples e pura palpitologia.

Literatura citada

Dills, C. R. e Romiszowski, A. J., ed. 1997. Instructional development paradigms. Englewood Cliffs:  Educational Technology Publications.

Jonassen, P. H., ed. 1996. Handbook of research for educational communications and technology. New York: Macmillan.

Pfromm Netto, S. 1977. Tecnologia da educação e comunicação de massa. São Paulo: Pioneira.

Pfromm Netto, S. 1987. Psicologia da aprendizagem e do ensino. São Paulo: EPU/EDUSP.

Pfromm Netto, S. 2001. Telas que ensinam - Mídia e aprendizagem: do cinema ao computador. Campinas: Alínea.

Salas, E. e Cannon-Bowers, J. A. 2001. The Science of Training: a decade of progress. Annual Review of Psychology, 52, 471-499.

Publicada em: 05/12/2003

 

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