Cursos superiores regulares permitem até 20% do ensino a distância.
06/12/2005Basta uma senha pessoal, um endereço eletrônico e um computador conectado à
internet. De qualquer lugar, a qualquer hora, o aluno faz o login e acessa a
aula da semana.
Lê os textos e faz os exercícios. Aproveita e manda uma mensagem com as
dúvidas para o professor. Antes de sair, deixa um recado no fórum de debate.
O recurso, mais do que descrição de um projeto futuro, é realidade em várias
faculdades e universidades do país, que começam a colocar em prática uma
modalidade de ensino autorizada pelo Ministério da Educação: ministrar por
meio de aulas a distância até 20% da carga horária do cursos regulares de
graduação.
Não é possível saber quantas faculdades usam o método, já que o MEC não
precisa dar uma autorização especial para elas. No entanto, os exemplos vão
aparecendo e já chegam a algumas dezenas.
Universidade de Brasília (UnB), Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUC-RS), Anhembi Morumbi, UniFMU e algumas federais, como as
da Bahia, Alagoas e Espírito Santo, estão entre as pioneiras.
A Faculdade Sumaré, em São Paulo, é um exemplo de adesão total: aplicou os
20% a distância a todas as suas 15 carreiras.
A permissão é válida para todos os cursos superiores, desde que sejam
seguidas algumas regras.
As avaliações das disciplinas têm de ser presenciais, o conteúdo deve contar
com uma pedagogia voltado para a internet, é obrigatória a presença de um
tutor e de encontros regulares.
Feito isso, alunos e professores devem adaptar-se a uma inserção da
tecnologia em cursos em que, até então, o computador era apoio para
atividades extra-curriculares.
"A gente conseguiu atender a demanda de alunos com a disponibilidade de
professores que temos. O resultado está sendo fantástico", conta Ivan
Camargo, decano de ensino de graduação da UnB.
Lá, várias disciplinas básicas, como introdução à filosofia, economia e
sociologia, são dadas a distância.
"Precisamos vencer o conservadorismo que nós, professores, temos. A gente
acredita no quadro negro. Estamos muito acostumados com a nossa aulinha
montada."
O professor toca em dois pontos recorrentes do assunto. A vantagem para as
instituições, que ganham no espaço físico e distribuição de aulas entre os
professores, mas têm de elaborar uma metodologia própria para a internet,
além de oferecer infra-estrutura de acesso para os alunos.
E a desconfiança com que a proposta é recebida num primeiro momento pela
comunidade acadêmica.
"O desafio é ensinar grandes contingentes de pessoas sem massificar e perder
qualidade, porque ensino a distância é auto-aprendizagem, o aluno passa a
ser sujeito que vai atrás do conhecimento. Não é mais o aluno passivo", diz
Beatriz Tavares Franciosi, da PUC-RS Virtual, que tem um projeto piloto que
usa os 20% no curso de Administração.
Incentivo
A possibilidade de dar 20% das aulas a distância nos cursos de graduação
surgiu pela primeira vez na lei em 2001.
No entanto, o texto foi considerado confuso pelas instituições, que não
entendiam se a porcentagem valia para disciplinas ou para a carga horária
total do curso.
Além disso, para poder aderir ao sistema, as faculdades precisavam
apresentar uma série de documentos ao MEC e esperarem por uma autorização.
Em dezembro de 2004, na gestão do ex-ministro Tarso Genro, uma nova portaria
foi editada, dispensando a autorização e deixando claro que os 20% são
válidos para disciplinas e cursos.
A partir daí, ou seja, desde o início deste ano, a idéia conquistou mais
instituições.
"Existia uma tentativa de estimular as faculdades a terem experiências com
ensino a distância, mas ela exigia um procedimento muito burocrático e teve
efeito contrário. Refizemos as normas e colocamos exigências", explica
Rubens de Oliveira Martins, da Secretaria de Educação Superior do MEC.
"A grande vantagem é começar a mudar a cultura de passividade dos alunos
para uma mais ativa, de pesquisa. Há também a flexibilização de horários, o
que favorece os estudantes que trabalham", diz.
Martins reconhece, porém, que as aulas a distância também apresentam riscos.
"O grande problema é a instituição escolher mal a disciplina", afirma.
Outra preocupação está na falta de preparo de quem organiza o curso. É
consenso entre os especialistas que o ensino a distância está muito além de
simplesmente digitalizar o conteúdo dos livros e apostilas usados em classe.
Navegação
No Brasil, existem pesquisas e institutos dedicados a discutir o ensino a
distância, que recomendam disponibilizar textos e propor exercícios, usando
links, animações e espaços para interação, como e-mail e fóruns para debate.
Desse modo, as disciplinas teóricas são mais indicadas, assim como as que
exigem uma repetição grande de exercícios, como as de exatas.
Os sistemas funcionam com uma senha que dá acesso a uma página, como um
site. Na barra da direita estão os tópicos: aulas, programas, cronograma,
fórum, dúvidas, interação.
Com um clique, o aluno entra na aula. Aparece o texto, o programa de
exercícios e vários links que remetem para bibliografia, complementos e até
mesmo vídeos. O ritmo de navegação fica por conta do aluno.
Mas tudo o que ele faz assim que entra no site é monitorado pelos
professores, que verificam a freqüência, o tempo que ele passou em cada
texto e o tempo que levou em cada exercício, por exemplo.
"Estamos repensando as plataformas usadas, que foram baseadas no modelo
presencial, porque era o que conhecíamos. Agora, vemos que muitas vezes um
bom e-mail é mais eficaz do que uma animação em flash. Tudo isso tendo em
mente que usar a tecnologia para repetir o conteúdo da classe é burrice",
diz Carmem Maia, pesquisadora do London Knowledge Lab, da Universidade de
Londres, e membro do conselho administrativo da Anhembi Morumbi.
Para Fredric Michael Litto, coordenador da Escola do Futuro, da USP, as
dificuldades fazem parte de um processo de consolidação desse tipo que
ensino, que aos poucos vai ganhando credibilidade.
"Acredito que dentro de dez anos aulas assim vão ser a coisa mais
corriqueira do mundo."
Fonte: Simone Iwasso / Estado de São Paulo