Políticas e Estratégias da EAD


Arnaldo Niskier
Academia Brasileira de Letras

  POLÍTICAS E ESTRATÉGIAS DA EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA

IX Congresso Internacional de Educação à Distância – Repensando a Aprendizagem por meio da Educação à Distância – ABED
São Paulo, 2/9/2002

 

No Brasil, hoje com 173 milhões de habitantes, vive-se o espírito da sociedade do conhecimento.  Apesar das grandes dificuldades existentes no ensino superior, que conta com 2,3 milhões de universitários, número rigorosamente insuficiente para ativar o nosso crescimento econômico e social, há boas perspectivas de expansão, se considerarmos o incremento do ensino médio.  Nos últimos quatro anos, houve um acréscimo de 1,5 milhão de jovens na etapa intermediária, com ênfase nas grandes metrópoles.

A democratização do acesso à educação poderá ganhar enorme projeção se considerarmos a implementação da educação à distância em nosso País, de 8,5 milhões de km2 de superfície.  O emprego dessa modalidade é pensado desde 1972, existindo hoje um clima bem mais favorável ao uso da modalidade, principalmente nas carências do ensino superior.

Em conferência feita a dirigentes da educação canadense, em Brasília, demonstramos as virtualidades do nosso processo e o emprego do satélite doméstico de telecomunicações.  Houve uma resposta bastante favorável dos especialistas presentes.  Alguns deles, como é o caso da professora Sheila A. Brown, presidente da Mount  Saint  Vincent  University, de Halifax (Nova Scotia),  mantém correspondência conosco, dando conta dos seus programas de educação à distância com a utilização de multimída, teleconferências e comunicação via e-mail e internet.  Eles anunciam um curso de Ciência da Computação na África via satélite, em cooperação com a African  Virtual University.

No Brasil ainda estamos bastante atrasados.  Há experiências isoladas que merecem todo crédito, como o curso de especialização à distância que se desenvolve na cátedra da Unesco existente na Universidade de Brasília.  A Universidade Federal de Santa Catarina, por intermédio da sua Faculdade de Engenharia, desenvolve um inteligente projeto de EAD, que, por sua seriedade, recebeu aplausos e incentivos financeiros do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Há outros experimentos em instituições universitárias ainda não credenciadas pelo CNE (como manda a Lei de Diretrizes e Bases da Educação no 9.394/96).  Em todos eles, pelo que se sabe, existe a preocupação com a garantia de qualidade , sem o quê não há como fazer prosperar esse imenso potencial  de atendimento, num país com as nossas incríveis dimensões. Deve-se louvar igualmente o pioneirismo da Universidade Virtual criada pela Faculdade Carioca do Rio de Janeiro, sob a inspiração do professor Celso  Niskier.

O que se pode desde logo assegurar é que avançamos tecnologicamente, em termos de hardware.  Satélites, parabólicas, computadores, ilhas de edição totalmente digitalizadas, canais exclusivos para educação - enfim, sob esse aspecto, não há dúvida que se pode contar com imensa e rica parafernália eletrônica.

Onde ainda existe grande precariedade é na engenharia de software, ou seja, na indispensável produção de programas.  Somos corajosos para comprar equipamentos de Primeiro Mundo, mas os salários pagos aos nossos professores e especialistas ainda não passaram do Terceiro Mundo.  É a discrepância que dificulta o uso dessa  extraordinária tecnologia do aprendizado.

Enquanto isso, no mundo caracterizado pela sociedade pós-industrializada, desdobram-se  projetos de sucesso, alguns dos quais são oferecidos ao Brasil numa tentativa de conquista do mercado quase virgem, mas de imensas  virtualidades.  A Universidade de Harvard realiza programas com a Argentina; a Universidade de Michigan, que procurou o Brasil para a feitura de um MBA, está com os seus tentáculos estendidos a  Hong Kong, Japão, Tailândia e outros  tigres asiáticos, num fenômeno de expansão que justifica os temores da globalização cultural; o mesmo faz a Universidade da Pennsylvania, por intermédio da sua notável e bem sucedida Wharton School, onde estivemos por quatro vezes para estudar a problemática dos fundos de pensão nos Estados Unidos.  Hoje, os seus programas são oferecidos ao Brasil, de forma indireta, utilizando os mecanismos da educação à  distância e, mais particularmente, o potencial dos satélites domésticos de telecomunicações.

 

METODOLOGIA  MODERNA

 

Para a implantação de um Sistema Nacional de Ensino Superior Aberto e à Distância, no Brasil, contribui decisivamente a existência de um amplo parque editorial, de inúmeras emissoras de rádio (mais de 3 mil) e de televisão, além de uma excelente rede de comunicação postal, telefônica e via satélite.  Não foi por outra razão que o Congresso Nacional recebeu em 1972 o primeiro Projeto de lei, criando a universidade aberta, o que se repetiu em 1987. Mas ainda não se evoluiu para levar a matéria ao plenário.

Os ministros Hugo Napoleão (28-02-1988 a 17-01-1989) e Carlos Sant’Anna (17-01-1989 a 15-03-1990)  criaram Grupos de Trabalho para estudar a educação aberta e à distância, entendida como uma moderna metodologia, capaz de revolucionar a nossa política de recursos humanos.  Alguns experimentos chegaram a ser  financiados pelo MEC, em 1989, como o programa de educação continuada para professores de matemática e ciências do primeiro grau (FUNBEC), formação de especialistas em educação à distância (Universidade de Brasília), criação do Centro de  Educação à Distância da UERJ, projeto vitória-régia (Secretaria de Educação do Amazonas), materiais para rádio e televisão (IRDEB), etc.

Como sempre acontece, não houve continuidade, embora do Grupo de Trabalho fizesse parte um representante do Conselho Federal de Educação e outro do INEP, instituições aparentemente não perecíveis (o CFE trocou de nome).

A título histórico, registramos os nomes constantes da Portaria Ministerial número 418, de 10 de novembro de 1988, assinada por Luiz Bandeira da Rocha Filho, com Arnaldo Niskier, Terezinha Maria Abranches Felix Cardoso, Maria de Lourdes Marques Bittencourt,  Anna  Rosa Bogliolo de Siqueira, Jane Maria Fantinelli Tomasini, Inês Bettoni  e  Marly  Gonet Mourão Branco.

Este Grupo de Trabalho, por mim coordenado, concluiu documento intitulado  “Por uma Política Nacional de Educação Aberta e à Distância”, em fevereiro de 1989, em que  foram estabelecidas estratégias de implantação, acompanhamento e avaliação, de que se pode extrair o seguinte resumo:

 

“Proceder ao levantamento da demanda real de necessidades, a ser atendida pela metodologia de EAD;  promover a formação de equipes multidisciplinares para a produção de programas; ampliar o acervo das bibliotecas escolares, de modo a incorporar também  vídeos, disquetes e outros materiais;  incentivar a produção de programas locais de rádio e televisão;  apoiar técnica e financeiramente programas e projetos de EAD promovidos por instituições públicas de ensino e organizações da sociedade civil sem fins lucrativos; estabelecer mecanismos de acompanhamento e avaliação de programas e projetos da EAD; aproveitar a infra-estrutura de instituições de ensino de nível médio e superior, para torná-las centros de EAD regionais e/ou estaduais; incluir a metodologia da EAD nos currículos dos cursos de educação e de comunicação; oferecer, nas universidades, cursos de especialização em metodologia de educação à distância; oferecer cursos de especialização para professores e outros profissionais de ensino superior, em face da carência de recursos humanos com titulação adequada  e formalmente exigida, etc”.

 

POLÍTICAS E ESTRATÉGIAS

 

Para que o tema atinja continuidade, é importante que sejam levados em consideração os itens que elencamos e propusemos ao Conselho Nacional de Educação através da Indicação no 6/96, em que se previa a criação de um Sistema Nacional de Educação Aberta e à Distância. 

 

01 - Estabelecer a Política Nacional de Educação Aberta e à Distância, no âmbito do Conselho Nacional de Educação, integrando o Plano Nacional de Educação;

 

02 - Estimular a experiência  da Universidade Virtual, com a oferta ilimitada de cursos não-presenciais e a ampla utilização de endereços eletrônicos;

 

03 - Integrar os esforços das redes nacionais de rádio e televisão educativa, a fim de dar suporte aos projetos de treinamento de capacitação de profissionais, nos níveis médio e superior;

 

04 - Criar a primeira experiência-piloto na área do magistério, qualificando professores e especialistas, com ênfase no emprego da informática na educação;

 

05 - Treinar profissionais de multimídia (roteiristas, engenheiros de software, produtores visuais, animadores, produtores de vídeo, fotógrafos, locutores, dubladores, etc, todos eles constituindo o que hoje chamamos de profissionais de newmedia);

 

06 - Orientar a produção de CD-ROMs educativos no País, para distribuição nas escolas públicas, com vistas ao aperfeiçoamento da qualidade do ensino (ênfase na educação básica), acompanhando o lançamento do Digital Vídeo Player (DVP), em que a capacidade de armazenamento de dados será seis vezes maior, valorizando a multimídia;

 

07 - Elaborar uma estratégia nacional para o ensino por correspondência, baseada nos princípios da educação permanente e em perfeita consonância com a realidade  brasileira, preservada a qualidade dos serviços a serem prestados;

 

08 - Criar, no Conselho Nacional de Educação, uma Comissão para acompanhar os experimentos de EAD, garantindo assim a sua avaliação continuada;

 

09 - Proceder ao levantamento da demanda real de necessidades a ser atendida pela modalidade de EAD;

 

10 - Promover a formação de equipes multidisciplinares para a produção de programas;

 

11 - Ampliar o acervo das bibliotecas escolares, de modo a incorporar também vídeos, disquetes e outros materiais;

 

12 - Incentivar a produção de programas locais de rádio e televisão;

 

13 - Apoiar técnica e financeiramente programas e projetos de  EAD, promovidos por instituições públicas de ensino e organizações da sociedade civil sem fins lucrativos;

 

14 - Estabelecer mecanismos de acompanhamento e avaliação de programas de projetos de EAD;

 

15 - Aproveitar a infra-estrutura de instituições de ensino de nível médio e superior para torná-las centros de EAD regionais e/ou estaduais;

 

16 - Incluir a modalidade de EAD nos currículos dos cursos de educação e de comunicação;

 

17 - Oferecer, nas universidades, cursos de especialização em modalidade de educação à distância;

 

18 - Oferecer cursos de especialização para professores e outros profissionais de ensino superior, em virtude da carência de recursos humanos com titulação adequada e formalmente exigida.

 

CONCLUSÕES

 

Embora exista a previsão legal de emprego da metodologia de EAD em todos os graus de ensino, há uma primeira ênfase  com o ensino superior, recomendando-se que o credenciamento só seja feito se a instituição já for autorizada como entidade de ensino superior, mantendo pelo menos um curso reconhecido.  As notas do provão devem ser consideradas, ao lado da qualificação docente e da infra-estrutura de tecnologias educacionais, valorizando-se a interação.  E sugere-se a limitação a uma ou mais áreas específicas do conhecimento, em que a instituição mantenha cursos regulares reconhecidos e de bom conceito.

Logo se perguntará o que se entende por tecnologia  interativa?  Modernamente, são os instrumentos facilitadores da criação de um ambiente virtual em que professores, especialistas e alunos podem construir, de maneira crítica, o conhecimento e a aprendizagem.  É tudo com o que se sonha.

Ratificamos a necessidade de uma efetiva política de ação para a EAD, considerando-se a sua imensa potencialidade. Os desequilíbrios educacionais, de que somos pródigos, levam a esses caminhos alternativos, como, aliás, fizeram outros países:  Inglaterra, Espanha, China, Bolívia, Canadá, Austrália, Costa Rica, Israel, Estados Unidos e Portugal, para ficar somente nesses.

   O respeito à educação como direito subjetivo, aliado ao incrível avanço científico e tecnológico, com a disponibilização de canais e satélites para a massificação da educação, sem perda da qualidade, são fatores que hoje obrigam a uma nova atitude de adesão ao moderno, colocando o Brasil no rol das nações que aderiram com decisão à Sociedade do Conhecimento.

                Com os recursos hoje existentes, incluindo o que há de mais atual, como DVD e NGN (next generation network), não há justificativas aceitáveis para que não se promova a evolução qualitativa da nossa educação. E o mais rápido possível, como é esperança da sociedade brasileira, prejudicando a evolução do sistema educacional brasileiro.