Mantenedores ABED

“Recebi do Professor Fredric Litto, digníssimo presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância, a grata incumbência de apresentar aqui o próximo seminário promovido pela ABED, a ser realizado de 17 a 20 de abril de 2005, em São Paulo. O tema será “A educação a distância nos sistemas de ensino e sua influência no mercado de trabalho”, e abrangerá principalmente questões relativas à lei vigente, sua aplicação pelos diferentes sistemas de ensino e as implicações geradas no mercado de trabalho.

Peço a atenção de todos para a riqueza do cenário no qual se desenha este importante evento de debate de idéias.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional prevê em seu Artigo 9º que os sistemas de ensino, compostos pela União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, devem atuar "em regime de colaboração". Quanto à forma de organização, cabe à União coordenar a política nacional de educação, reservando-se aos demais sistemas o direito de "liberdade de organização", nos termos da própria LDB.

O objetivo do Seminário é tecer um painel sobre os resultados mais recentes dessa forma de organização e as perspectivas para a educação a distância em nosso país. Discutir até que ponto a “liberdade de organização” tem se traduzido em “colaboração” entre os diferentes sistemas, contribuindo para o “desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada”, conforme prevê o Art. 80 da LDB. É também esse Seminário uma excelente oportunidade para abordar os desdobramentos do “Pacto dos Conselhos Estaduais de Educação para a oferta de Cursos a Distância”, aprovado pelo Fórum dos Conselhos, em julho de 2002. O documento assumia então um compromisso com a extraterritorialidade característica da EAD, até então prejudicada pela ação isolada de cada sistema nos processos de credenciamento de instituições e autorização de cursos.

Passado algum tempo desse momento paradigmático de reflexão sobre a EAD em nosso país, o Seminário apresenta-se como a melhor oportunidade para avaliar os resultados práticos dessa reflexão: a participação dos sistemas, assim como suas dificuldades e acertos na condução e apreciação de propostas de credenciamento de instituições e autorização de cursos.

A esta importante questão legal juntam-se muitas outras que precisam ganhar as luzes claras do debate aberto.

É sabido que as fundações dos edifícios são responsáveis por construções sólidas, estáveis e de qualidade. Na educação não é diferente. É a fundação da educação, o seu nível básico, que fornece ao indivíduo a condição essencial para uma formação de qualidade nos níveis subseqüentes. E, é exatamente neste nível da educação que hoje se encontra a maior carência. Seja porque não há escola para todos, ou porque não há condições para o aluno ir à escola, ou até porque não há a disposição para se compreender a importância que tem a freqüência à escola. É aqui, onde o processo educacional e a construção da formação e do caráter do indivíduo se fundem, onde a distinção entre o certo e o errado, o bom e o ruim, a definição dos limites individuais e do respeito coletivo começam a tomar forma, é exatamente aqui que, para tristeza do país, se localiza a grande falha da educação.

Neste nível, onde havia participação marcante de professores leigos, apenas recentemente passou-se a exigir melhor formação desses profissionais. E para recuperar o tempo perdido, foi escolhida a EAD como forma ideal de se alcançar esse objetivo. Iniciativas de alcance federal, como o Proformação, e estadual, como o Projeto Veredas, em Minas Gerais, procuram reverter, por meio da EAD, o velho quadro em que aquele que sabe pouco se vê na obrigação de ensinar aqueles que nem isso sabem. 

De acordo com dados do próprio Programa, o Proformação, em atividade desde 1999 nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, mais de 30.000 professores obtiveram formação e, tendo em vista uma demanda ainda bastante significativa, estendeu a partir deste ano sua atuação para todas a regiões do país.[1]

Se a realidade é assim preocupante no meio docente, que dizer do processo de formação do cidadão em geral e suas necessidades mais urgentes relacionadas ao mercado de trabalho? O Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF) de 2003 revelou que “60% da população não têm a escolaridade mínima obrigatória de 8 anos, e que a educação básica (ensino fundamental + ensino médio) é privilégio de apenas 20% dos brasileiros”.[2]

A iniciativa mais bem sucedida nesta área é o “Telecurso”, mas ele está longe de atender plenamente a demanda. Na verdade seriam necessários inúmeros projetos semelhantes. E não estamos falando em atender apenas aqueles que já perderam o bonde da educação na idade em que tinham que ter se formado, mas também, e principalmente, dos dados correntes relativos à Educação de Jovens e Adultos, que são muito preocupantes. Pesquisa do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), do Ministério da Educação, aponta que “em 2002 a matrícula inicial no ensino público fundamental de jovens e adultos alcançou 2,7 milhões de estudantes, o que representa apenas 4% da demanda potencial por esse nível e modalidade de ensino”[3]. Agora, já não estamos falando mais em 30.000 professores, mas em 67,5 milhões de brasileiros que, embora necessitando, não têm acesso a programas de Educação de Jovens e Adultos.

Não há como contestar esse panorama. Da mesma forma, é incontestável que a EAD já demonstrou possuir as características ideais para, se não erradicar, ao menos construir uma condição mais favorável para o problema. Em todo o mundo, em países avançados com enorme tradição educacional, emprega-se largamente a EAD em todos os níveis, não para corrigir defasagem educacional, mas como modalidade regular de oferta de educação.

Uma vez reconhecida a potencialidade da EAD para a educação básica, há ainda muito o que se discutir nesse seminário que estará à disposição dos educadores do país em abril: qual o formato ideal para atingir o maior contingente possível de “excluídos da educação”? Seria o e-Learning? Talvez o Blended Learning? Ou outra forma de TI avançada, dentre estas várias que nos fascinam e que prometem vencer a desinformação com base na tecnologia moderna? Seria esta a grande e definitiva solução?

Creio que não. E aí está a riqueza de nos reunirmos num fórum como este que a ABED nos proporcionará! Não podemos nos esquecer, relembrando a imensidão do país, de que os excluídos da educação também são os excluídos digitais.

É claro, porém, que uma proposta desse tipo esbarra numa série de empecilhos de diversas naturezas: desde o simples e irrefletido preconceito à EAD até às contradições da legislação vigente.

Quanto ao preconceito, é curioso observar como ele nasce de uma tentativa de minimizar um outro preconceito, talvez mais evidente, que procura caracterizar a EAD como educação de baixa qualidade, sem compromisso efetivo com as necessidades nacionais, porque é, com freqüência, utilizada como recurso para o atendimento de situações remediais, como a educação de jovens e adultos e a formação emergencial de professores leigos, ou ainda para ajustes formativos de profissionais que já estão no mercado de trabalho mas que necessitam de algum tipo de especialização para crescer profissionalmente.

Ora, por que temos de enxergar esse tipo de educação, para os desafortunados ou para os que retornam ao banco escolar depois de já ter passado seu ciclo, necessariamente como inferior? Pergunto se o preconceito não estaria mais associado a esses desafortunados, atendidos pela EAD, do que à EAD propriamente dita. Perguntem a um trabalhador que se especializou ou se formou por EAD, sobre a importância de sua formação para a sua própria inclusão social. Pergunte se ele acha a EAD uma modalidade menor de ensino.

O mesmo raciocínio vale para a formação de professores leigos. Essas pessoas estão em sala de aula lecionando e não receberam até o momento a formação que deveriam ter recebido. O que há de mais prioritário, e nobre, que lhes oferecer uma educação de qualidade? Talvez, a ampliação da oferta àqueles excluídos seja ainda mais prioritária pelo alcance de seu significado.

Com relação à legislação específica da EAD de nível básico, já vimos que a União delegou aos sistemas de ensino as atribuições de credenciamento de instituições que apresentem propostas de EAD na educação básica em sua jurisdição. Infelizmente, até o momento, isso tem oferecido poucos resultados. Em parte devido ao desencontro entre as iniciativas estaduais, que variam da desconfiança excessiva até a simples ignorância, passando por criação de barreiras dignas de contos de ficção, morosidade, etc., etc. responsáveis em boa parte pela participação ainda inexpressiva da EAD no cenário da educação nacional de nível básico.

Alguns estados sequer possuem legislação sobre EAD básica. Outros, como São Paulo, definem que instituições de outros estados deverão se submeter a um novo processo de credenciamento caso queiram atuar em seu território, onde existem aproximadamente 10 instituições credenciadas, das quais apenas 4 ou 5 são privadas, para atender ao estado mais populoso do país. Outros ainda estabelecem que a instituição de ensino credenciada por outra unidade federativa poderá atuar em seus territórios, desde que “comunique o fato” ao Conselho Estadual e se submeta ao seu “acompanhamento e fiscalização.” Se é assim, em tese, será que uma instituição credenciada em São Paulo, apenas comunicando sua intenção de operar no estado, pode dar início às suas atividades? A resposta é não! Não pode. Então, em termos práticos, o que significa “comunicar o fato”? Que documentos apresentar? Quais condições e recursos comprovar?

Apesar dos inúmeros benefícios em formação que a EAD já está trazendo, há uma evidente falta de uniformidade na condução das suas políticas. Faltam especialistas “de fato”, enquanto sobram especialistas “de direito”, para a condução dos processos. Falta também um compromisso claro com prazos e procedimentos, a fim de que as propostas não se inviabilizem. Falta, ainda, em alguns contextos, vontade política para incentivar o desenvolvimento e a veiculação de programas, como prevê e garante a LDB.

Urge uma política nacional formulada especialmente para EAD de nível básico. Uma política que antes de dispensar-lhe um tratamento de desconfiança, de deixá-la ao sabor de interesses locais, pessoais e políticos, incentive a sua utilização no auxílio da recuperação dos índices da vergonha nacional. Que contribua para a construção de uma EAD de qualidade capaz de levar a todos os brasileiros seu direito constitucional de acesso à educação.

E não faltam no país indicadores dos caminhos a se seguir. É bom lembrar que o mercado corporativo há bastante tempo se antecipou nas respostas a essas questões, utilizando a EAD como instrumento de formação continuada para seus funcionários. Uma reflexão mais ampla sobre o assunto nos permite vislumbrar um panorama do impacto provocado no mercado de trabalho, com o incentivo a programas que visam formar e qualificar recursos humanos: mais produção e competitividade, sinônimos de desenvolvimento e de condições ideais ao pleno exercício da cidadania.

A comissão responsável pela organização do evento da ABED em abril próximo contará com representantes de importantes segmentos vinculados à EAD da iniciativa privada, do Sistema “S”, da Secretaria de EAD do MEC e do Telecurso 2000.

Convidamos autoridades, profissionais e interessados em educação para discutir e analisar as questões que apresentamos e outras de relevância. Também convidamos em especial as autoridades responsáveis pelo estabelecimento das normas e supervisão dos Sistemas de Ensino e do Ministério da Educação, os dirigentes que já atuam com EAD em nível básico para que, durante o próximo Seminário Nacional que a ABED fará realizar em São Paulo, no mês de abril do próximo ano, tenhamos um painel abrangente e pluralista desse debate, com a formulação de propostas capazes de alavancar a EAD de nível básico em nosso país”.

 

Muito Obrigado

 

Roberto Palhares
Diretor de Relações com o Setor Produtivo da ABED



 

 [1] PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM EXERCÍCIO. “Histórico”. Disponível em <http://www.mec.gov.br/seed/proform/default.shtm> Consulta realizada em 17 nov. 2004.

[2] INSTITUTO PAULO MONTENEGRO. “3º Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional” [Avaliação de leitura e escrita]. 2003. Disponível em <http://www.ipm.org.br/an_ind_down.php?fez=feito> Consulta realizada em 17 nov. 2004.

[3] DI PIERRO, Maria Clara e GRACIANO, Mariângela. A Educação de Jovens e Adultos no Brasil. Informe apresentado à Oficina Regional da UNESCO para América Latina y Caribe. São Paulo: Ação Educativa, 2003. p. 13.