Qualis - ISSN - 1806 - 1362 / DOI 10.17143 / abed1995
 




 

Cartas ao Editor

A teoria da distância transacional, a autonomia do aluno e o papel do professor na perspectiva de Moore: um breve comentário

Lina Sandra Barreto

Ao sermos convidada pelos editores dessa revista para comentar esse artigo do Prof. Moore à luz de minha experiência com a prática de educação a distância, reli o texto a partir das diversas oportunidades que tive e tenho de vivenciar processos educacionais onde a distância é o maior desafio.

O artigo em questão suscita excelentes oportunidades para importantes discussões sobre EAD. Os temas nele levantados vão desde a definição do papel da distância em processos educacionais, passando por questões como interação no processo ensino/aprendizagem, papel das tecnologias, autonomia do aluno, papel do professor entre outros tantos assuntos importantes. Cada um desses aspectos possibilitaria uma aprofundada discussão nas quais a posição do interlocutor pode ser de apoio ou questionamento às posições do autor.

Várias idéias desenvolvidas ao longo do artigo nos revelam aspectos intrigantes no tocante à: noção de estrutura dos programas de EAD, especialmente quanto aos conteúdos a serem estudados; ao conceito de diálogo defendido pela teoria da distância transacional em contraste com o papel do professor; e quanto ao papel das tecnologias no processo de ensino/aprendizagem a distância.

Foi nessa perspectiva que um aspecto do artigo nos chamou particularmente a atenção:

· a correlação estabelecida por Moore entre "distância transacional" dos programas de EAD e a autonomia do aluno que pode ser percebida no seguinte trecho do referido artigo "Parece existir uma relação entre diálogo, estrutura e autonomia do aluno, pois quanto maior a estrutura e menor o diálogo em um programa, maior autonomia o aluno terá de exercer." ;

Vale ressaltar alguns conceitos subjacentes às colocações do autor ao longo do texto que o levam a essa idéia. O primeiro diz respeito a que um programa muito estruturado impõe pouco ou nenhum diálogo - entendido aqui na perspectiva de Moore, qual seja "O termo "diálogo" é usado aqui para descrever uma interação ou série de interações que possuem qualidades positivas que outras interações podem não ter. Um diálogo é intencional, construtivo e valorizado por cada parte. Cada parte num diálogo é um ouvinte respeitoso e ativo; cada uma elabora e adiciona algo à contribuição de outra parte ou partes." - o segundo conceito é o de que , mesmo relativizando isso, o autor estabelece uma forte relação entre a mídia e a estrutura do curso, como se esta fosse determinada por aquela, como veremos mais adiante.

Como corolário desses dois conceitos o artigo relaciona diálogo, estrutura e mídias à autonomia- maior ou menor- do aluno no processo de ensino-aprendizagem a distância, autonomia que segundo o autor é "a medida pela qual, na relação ensino/aprendizagem, é o aluno e não o professor quem determina os objetivos, as experiências de aprendizagem e as decisões de avaliação do programa de aprendizagem."

Com relação à estrutura dos programas de EAD segundo o artigo " são estruturados de diferentes maneiras, de modo a se levar em conta a necessidade de produzir, copiar, transmitir e controlar estas mensagens mediadas. A estrutura expressa a rigidez ou a flexibilidade dos objetivos educacionais, das estratégias de ensino e dos métodos de avaliação do programa. Ela descreve em que medida um programa educacional pode acomodar ou responder a cada necessidade individual do aluno."

Mais adiante, o autor estabelece a relação entre estrutura e autonomia como segue: " a extensão do diálogo e a flexibilidade da estrutura variam de programa para programa. É esta variação que dá a um programa maior ou menor distância transacional que outro.....Em programas mais distantes, onde menos ou pouco diálogo é possível ou permitido, os materiais didáticos são fortemente estruturados de modo a fornecer toda a orientação,....Por conseguinte, em programas muito distantes, os alunos precisam se responsabilizar por julgar e tomar decisões acerca das estratégias de estudo ......Destarte, quanto maior a distância transacional, mais o aluno exercerá esta autonomia".

Para comentar essas assertivas de Moore vale resgatar aqui o porquê da massiva expansão da utilização da metodologia de EAD em todo o mundo. Cremos que um dos fatores que influenciaram esse fenômeno, foi o aumento massivo de demanda por educação (incrementada pelo aumento considerável da população, democratização de muitas sociedades propiciando a inclusão de amplos segmentos da sociedade antes não contemplados por programas sociais como mulheres, negros etc.) aliado à impossibilidade de se prover na mesma proporção pessoal (professores) qualificado para se estabelecer a relação ensino-aprendizagem.

Nesse sentido, para que o processo de ensino possa acontecer, é necessário que os especialistas em diversas áreas do conhecimento se disponham a explicitar em materiais didáticos estruturados e previamente "gravados" o conhecimento/conteúdo necessário- tendo em vista uma necessidade de formação explicitada nos objetivos- e assim distribuir esses conteúdos para um número considerável de alunos. Nasce assim, a figura do professor-autor, cujo papel é fazer um "recorte" do conhecimento em determinada área do saber que ele domina e, sob algumas condições tecno-metodológicas, apresenta-lo aos alunos.

Contextualizado dessa forma, a estrutura dos programas de EAD é condição mínima de qualidade dos conteúdos, possibilitando iniciar-se uma comunicação dialógica entre todos as personagens do processo : professor/aluno/conteúdos.

No entanto, somente isso não é suficiente para garantir o processo educativo.Outro personagem deve entrar em cena, o professor-tutor, cujo papel é mediar a relação/interação educativa estabelecida entre o aluno e o conteúdo a ele apresentado, entre o aluno e o professor e entre o aluno e os outros alunos. Ficam estabelecidas assim as condições para o diálogo que irá definir em que medida os conteúdos apresentados serão modificados, enriquecidos ou validados.

A partir daí, o papel do professor/tutor na sua relação com os conteúdos e com os alunos, tendo em vista os papéis previamente determinados desses personagens e suas concepções filosóficas a respeito de si mesmos e do que seja o processo educacional, irão influenciar o quão autônomo será o aluno egresso desse programa.

Quanto ao uso das tecnologias para mediar programas de EAD ainda no mesmo artigo o autor afirma "a extensão da estrutura num programa é mormente determinada pela natureza dos meios de comunicação empregados".

O autor apresenta algumas características para determinadas tecnologias que condicionam as práticas pedagógicas (ver tabela 2.1, relação entre diálogo, estrutura e instrução) no artigo.

Em nosso entender, principalmente em países como o Brasil em que não se pode contar com recursos financeiros em larga escala e em que os sistemas de comunicação que aliam as telecomunicações à informática ainda não são acessíveis a ampla maioria da população, a escolha das mídias intermediadoras do programa serão determinadas pelas condições econômico/sociais/geográficas dos alunos.

Nem por isso, se a escolha recair em, digamos, material impresso- que no quadro acima é denominado manual de estudo- associado à vídeo implicará que no processo de ensino/aprendizagem estabelecido a partir daí os alunos e professores não possam estabelecer um diálogo e que o aluno não possa exercer sua autonomia.

Como exemplo disso, podemos citar o curso a distância "O Direito Achado na Rua" ofertado pelo Centro de Educação a Distância- CEAD da UnB no período em que exercíamos o cargo de Coordenador de Ensino/Aprendizagem daquele Centro. O curso em questão, veiculado por material impresso e vídeo, com tutoria via correios, oferecia e estimulava por intermédio do professor-tutor excelentes oportunidades de diálogo aos alunos, fomentava a aplicação do aprendido e dava ao aluno a oportunidade de contribuir com o conhecimento apresentado. A avaliação final do curso baseava-se na apresentação por parte dos alunos de uma experiência prática onde ele tivesse participado direta, aplicando os princípios defendidos ao longo do programa. O resultado disso, uma coletânea dos trabalhos aprovados, seria publicado e oferecido a todos os participantes do curso como uma contribuição ao conhecimento até então apresentado.

Nossa reflexão sobre a prática de EAD nos leva a entender que a autonomia do aluno que aprende a distância é construída. O próprio Moore citando Knowles, nesse artigo, levanta essa questão ""os adultos via de regra não estão preparados para uma aprendizagem independente; precisam atravessar um processo de reorientação para aprenderem como adultos" (Knowles 1970)."

Nesse sentido, a autonomia do aluno é construída muito mais em função da visão dos responsáveis pelo programa educativo sobre qual o papel do aluno no processo de ensino-aprendizagem e que estratégias devem ser pensadas para fomentar esse papel, do que em função das características da tecnologia mediadora - mesmo reconhecendo que algumas tecnologias possibilitam mais interação que outras - ou do quão o programa é estruturado.

A guisa de conclusão, podemos dizer que as equações desafiadoras da educação a distância continuam sendo : como ofertar educação de qualidade, a partir de centros produtores de conteúdos respeitando as características locais/regionais e dos indivíduos aos quais o programa é dirigido? Como "domesticar" tecnologias ditas "ultrapassadas" ou não-interativas" mas, as vezes, as únicas disponíveis, para servirem a um projeto educativo que fomente a autonomia dos indivíduos nele envolvidos?

No nosso entender, na educação a distância como na educação em geral, a resposta a esse desafio passa necessariamente pela variável "peopleware" ou seja, pela relação estabelecida entre os humanos no processo de ensino -aprendizagem e pela concepção filosófica que os norteiam em suas práticas.


* Lina Sandra Barrreto, mestre em Educação a Distância (UNB), Diretora da EADTec, Coordenadora da ABED/Pólo Brasília.

Publicada em: 30/08/2002

 

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