Qualis - ISSN - 1806 - 1362 / DOI 10.17143 / abed1995
 




 

Resenhas

A caráter em cada ocasião - Design Instrucional Contextualizado

Maria Isabel Rodriguez

Resenha do livro Design Instrucional Contextualizado – educação e tecnologia, da autora Andréa Filatro, Editora SENAC, São Paulo, 2004.

Até que alguém prove o contrário, aposto que uma das coisas que mais agradou à autora no processo de transformar sua pesquisa de pós-graduação em livro, foi chegar à figura que dá destaque à capa. Quem já fez projeto de capa sabe que, na maioria das vezes, os elementos que a compõem evocam o tema ou alguma passagem do livro. Aqui, a imagem fractal não evoca simplesmente, já que ela reaparece no interior do livro, como “foto” do principal personagem, o DIC - Design Instrucional Contextualizado, sendo apresentada como a expressão gráfica do seu processo de desenvolvimento. A imagem, então, empresta dinamismo e sugere as inúmeras  possibilidades do modelo, cuja descrição permeia as cerca de 200 páginas do livro. Essa imagem bem traduz mil palavras, mas nem por isto as dispensa.

Vamos logo matando a curiosidade dos leitores: o DIC seria a ação intencional de planejar, desenvolver e aplicar situações didáticas específicas, que incorpora – em todas as suas fases – mecanismos que favorecem a contextualização e a flexibilização. Nada estaria mais “a caráter” para os tempos de hoje, para o novo universo educacional. Em outras palavras, o DIC é o design instrucional flexível, adaptado ao(s) contexto(s) de aplicação que, nas palavras de Bianconcini de Almeida no Prefácio, contribuiria com uma nova visão sobre o design instrucional, inter-relacionada com a perspectiva individual, cultural, organizacional e do entorno dos participantes das situações didáticas.

Para a autora, este modelo seria o mais apropriado para a aprendizagem on-line, que, por sua vez, é a mais adequada para a educação continuada e a aprendizagem vitalícia (lifelong learning). E, quando se trata de aprendizagem vitalícia, temos o adulto que aprende, que precisa se atualizar a fim de sobreviver na era do conhecimento. Para melhor entender a questão da aprendizagem de adultos, Filatro discute a teoria de Knowles, a andragogia, para sugerir como a maturidade psicológica dos adultos levaria à autonomia e à independência necessárias a uma aprendizagem baseada nas TICs - Tecnologias da Informação e Comunicação.

Logo na introdução, a autora pinta com cores precisas o cenário educacional atual e pontua o valor da educação como a principal arma para sobrevivência no mundo globalizado. Auto-desenvolvimento e educação continuada não seriam mais esperados apenas de uma parcela específica da sociedade, como opção de vida. Agora e daqui para frente, é o que devemos todos fazer e, cada vez mais rápido, repensando nossos papéis como educadores e aprendizes. A educação será para a vida em sociedade e para o mundo do trabalho ou não será e escola e universidade passam a ser conceitos, não locus para onde ir em busca de conhecimento.

A própria autora nos instiga em relação ao fio condutor do livro: diante das transformações e potencialidades decorrentes da revolução tecnológica, como os princípios teóricos se relacionarem à prática educativa para possibilitar um processo de ensino-aprendizagem de qualidade e que atenda às demandas do mundo do trabalho e de uma realidade cada vez mais digital? Depois de uma discussão sobre os macro-fenômenos econômicos, culturais e sociais que deram origem à sociedade da informação, ela sugere que a educação se vê obrigada a rever seus métodos e confia no design instrucional para contribuir para o aperfeiçoamento dos processos de ensino-aprendizagem em tempos de globalização, unindo educação e tecnologia sob medida para cada situação e contexto.

Antes de entrar propriamente no universo do design instrucional, Filatro busca o que é sempre uma tarefa difícil: explicar o significado do termo. Para quem é designer, há uma certa sensação de alívio, na medida em que a autora conduz à idéia do design como atividade projetual e como o produto resultante desta, sem meias palavras. Várias modalidades de design são discutidas, com explicações precisas sobre os diversos tipos, seus universos e suas características.

No capítulo 4 a autora aborda os paradigmas dominantes de ensino-aprendizagem e nos sugere como estes contribuíram para o design instrucional. Teorias e perspectivas teóricas como Comportamentalismo, Cognitivismo, (Sócio)Construtivismo e as correntes teóricas tais como a dimensão andragógica; a pedagogia de nosso Paulo Freire, assim como a dimensão humanista, são discutidas em sua relação com o design instrucional e seu novo papel. Ao longo de muitas páginas a autora refaz o caminho do design instrucional até os dias de hoje, trazendo definições, modelos de ontem e hoje bem como considerações sobre esta área da atividade humana.

Filatro sugere o redimensionamento do design instrucional no sentido deste ultrapassar os modelos tradicionais e explorar as potencialidades da Internet para incorporar às situações reais de instrução, a aprendizagem informal, a autônoma e a cooperativa, além de experiências autênticas que atendam às demandas específicas do mundo do trabalho e às demandas gerais de uma sociedade na era da informação.

A autora coloca ênfase na questão do contexto para o design instrucional como preâmbulo para apresentar sua proposta, o Design Instrucional Contextualizado e o modelo do mesmo, a bela figura fractal da capa, que aparece ao lado de uma representação seqüencial das etapas do que apresenta como modelo (convencional) do design instrucional. Neste capítulo, a autora sugere como se caracterizam as fases do DIC para depois entrar em detalhes sobre as funções do designer instrucional que vai criá-lo. Com o redimensionamento do design instrucional, a função do designer instrucional sairia enriquecida nas 4 áreas de conhecimento em que atua: educação, tecnologia, comunicação e gestão. Aliás, o capítulo 7 é dedicado à discussão da função do designer instrucional e do redimensionamento que a autora sugere como necessário.

Na parte final de seu livro, a autora nos relata o processo de design instrucional proposto para uma situação didática específica e retoma questões que se destacaram ao longo de sua pesquisa, convidando o leitor a refletir sobre o papel da educação e da tecnologia em contextos cada vez mais complexos. Um estudo de caso de implementação de uma proposta de DIC de natureza híbrida em uma disciplina na USP mostra na prática o que seria um projeto de design instrucional contextualizado, ajudando o leitor a melhor entendê-lo em todas as suas fases, ainda que o final do livro – pelo fato deste abrir tantas boas questões para discussão – não signifique um ponto final.

Logo em seguida, em capítulo denominado Perspectivas, nos relata o que veio descobrindo ao longo da investigação sobre design instrucional e ensino aprendizagem on-line. Cada nova descoberta, mais instigadora se tornava a experiência, que culminou com a observação de que o optimum do design instrucional contextualizado seria alcançado pelo equilíbrio entre a automação dos processos de planejamento (estrutura de ensino) e a promoção do estudo personalizado bem como pela harmonização entre o auto-estudo (aprendizagem individual baseada na autonomia do aluno) e na interação entre os participantes (aprendizagem colaborativa baseada no diálogo do grupo). O apêndice Tecnologias de Apoio ao Design Instrucional Contextualizado completa a obra, um livro para ser lido e relido, muito oportuno para a compreensão do design instrucional pelo público brasileiro, especialmente aqueles que atuam na área educacional.

Antes de concluir a resenha, gostaria de tecer algumas considerações gerais sobre design instrucional e sobre o modelo apresentado no livro como convencional. Apesar da contribuição de muitos que atuam na área, a verdade é que a tecnologia educacional - como abordagem sistêmica e sistemática às diversas etapas dos processos de ensino e de aprendizagem - não se desenvolveu organizadamente em nosso país, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos da América, desde a década de 60 do século passado. Um exemplo disto é que nas décadas de 70/80 havia cursos com concentração em tecnologia educacional - até mesmo de mestrado - que foram descontinuados antes da década seguinte findar, a ponto dos interessados terem que fazer curso de pós-graduação no exterior, desde então. A partir de meados da década de 90 é percebido maior interesse de profissionais de educação em relação ao design instrucional bem como aumento de projetos na área. Estes estão, mais especificamente, voltados a EAD, o que pode ser observado pelos diversos trabalhos apresentados nos Congressos da Associação Brasileira de Educação a Distância -ABED, bem como pelo crescimento de cursos e grupos de estudos on-line.

Quanto ao modelo apresentado na página 117 do livro, gostaria de observar que este é a representação linear simples das etapas de um projeto instrucional, indo da análise preliminar até a avaliação, sem nenhuma menção à forma como se pratica cada etapa nem à natureza sistêmica e sistemática de design instrucional. Quem não sabe como se dá esta abordagem, poderia pensar que as etapas ocorrem apenas uma vez e sempre em um único sentido. Tomemos como exemplo um modelo atual, o PDCA (Plan, Develop, Control, Act) que embute avaliação antes da ação final - aplicado em projetos (ao longo de todo o processo). Este modelo simples, é parte da gestão estratégica e traduz a busca pela qualidade e melhoria contínua das organizações. O modelo apresentado como convencional no livro, tal como o modelo PDCA, é entendido por um designer com sendo flexível e recorrente, sempre levando em consideração o contexto aplicação, o público-alvo e outras questões que estão igualmente presentes no modelo proposto pela autora. Não parece ter havido na história do design instrucional algum momento em que houve intenção de se engessar a práxis dos profissionais da área através do uso rígido de algum modelo tal como o apresentado como convencional.

Inclusive, na última década, a área do design instrucional está bem mais dinâmica, tanto por parte dos defensores quanto dos críticos, o que só tende a enriquecê-la. Estudiosos do assunto tais como Reigeluth, Jonassen, Romiszowski, Spector, Merril, têm discutido questões interessantes, variadas e interrelacionadas, criando espaço para estudos mais aprofundados sobre contexto, teorias cognitivas de aprendizagem, diversidade cultural, flexibilidade, tecnologias interativas, gestão (project management) no design instrucional, este, um aspecto crítico para as atuais competências do design instrucional. 

Publicada em: 03/01/2005


 

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