Qualis - ISSN - 1806 - 1362 / DOI 10.17143 / abed1995
 




 

Cartas ao Editor

Longe dos olhos, perto do coração: reflexões sobre distância e proximidade na Educação Online

Wilson Azevêdo

Longe dos olhos, perto do coração: reflexões sobre distância e proximidade na Educação Online Wilson Azevêdo

Em recente artigo (http://www.aquifolium.com.br/educacional/artigos/wide.html), em resposta a outro que questionava se a Educação 100% a Distância realmente funciona, apresentei alguns depoimentos de alunos atestando que, em seus casos, ela funcionou. Dois destes depoimentos, de alunos de cursos diferentes ministrados por diferentes professores, registram a mesma impressão de que, num curso online, o aluno sente o professor mais próximo:

"Nunca havia tido um professor tão próximo e tão atento a cada um dos alunos".

"Agradeço ao professor por ter sido um professor 'tão presente'".

Para muitos este é um dado surpreendente que parece indicar o sucesso do que, para Otto Peters, seria um dos principais esforços da Didática da Educação a Distância, qual seja, superar a própria distância:
Por milênios, ensinar e estudar foram atos que sempre ocorreram em proximidade física. Isto se fixou firmemente na consciência das pessoas. Por isso o ensinar e estudar a distância é considerado de antemão como excepcional, não comparável ao estudo face-to- face e, muitas vezes, também como especialmente difícil... Pelo fato de se considerar a distância em relação aos estudantes como um déficit e a proximidade física, pelo contrário, como desejável e necessária, já as primeiras tentativas de estabelecer princípios didáticos específicos para o ensino a distância se propunham a encontrar meios e caminhos para superar, reduzir, amenizar ou até mesmo anular a distância física. [PETERS:2001, p. 47]
A idéia de distância como um obstáculo a ser superado pertence ao senso comum em muitos domínios. Por exemplo, no campo da interpretação de textos o senso comum afirma: "quanto mais distante do autor, mais difícil e problemática é a interpretação".

Ora, justamente isto foi o que Paul Ricoeur questionou em seu célebre artigo "A Função Hermenêutica do Distanciamento". Apoiado em Gadamer, Ricoeur defende que a distância é não apenas inevitável como constitui a condição mesma de possibilidade da interpretação: a distância permite compreender melhor um texto ou um fato, situá-los no contexto mais amplo de uma obra ou de uma seqüência histórica e, assim, melhor apreender seu significado. Diz ele:
Minha própria reflexão procede de uma recusa dessa alternativa e de uma tentativa de ultrapassá-la. Esta tentativa encontra sua primeira expressão na escolha de uma problemática dominante e que me parece escapar, por natureza, à alternativa entre distanciamento alienante e participação por pertença. Essa problemática dominante é a do texto, pela qual, com efeito, reintroduz-se uma noção positiva e, se posso assim me expressar, produtora do distanciamento. O texto é, para mim, muito mais que um caso particular de comunicação inter-humana: é o paradigma do distanciamento na comunicação. Por esta razão, revela um caráter fundamental da própria historicidade da experiência humana, a saber, que ela é uma comunicação na e pela distância. [RICOEUR:1988, P. 43-44]
Deve-se creditar a Moore e sua Teoria da Distância Transacional, sintetizada no artigo publicado neste primeiro número da Revista da ABED, a demonstração de que, em Educação, distância não tem sentido estritamente físico/geográfico, mas fundamentalmente relacional, afetivo, comunicacional. Esta distância ou proximidade transacional é que tem importância pedagógica. Ela não depende da proximidade física, pelo contrário. Como nos lembra o ditado popular, "longe dos olhos, perto do coração". Mas nossa vivência da sala de aulas nos faz saber que é possível também o seu inverso, o "perto dos olhos, longe do coração". Faz parte da experiência cotidiana educacional a proximidade física com significativa distância transacional. Assim como faz parte do cotidiano da Educação Online a distância física com proximidade relacional. Seria necessário aprofundar as implicações da multissincronia e da textualidade no desenvolvimento da proximidade a distância em ambientes online - aspectos nos quais não posso aqui me deter, mas que gostaria de incentivar que sejam investigados com mais atenção.

Em Educação à Distância foi-se destilando, ao longo dos anos, um conjunto de técnicas e abordagens metodológicas que, com uso de tecnologias da informação e da comunicação, podem contribuir para a redução da distância transacional e a promoção da proximidade afetiva, relacional e comunicacional tão necessária à aprendizagem. E isto pode, agora, retornar por sobre a prática educativa presencial, permitindo que outras proximidades possam ser promovidas e intensificadas em ambientes de proximidade física, e mais elevados níveis de qualidade possam ser alcançados, através da aplicação de técnicas e métodos desenvolvidos para Educação a Distância. A virtualização de parte da carga horária pode se mostrar, assim, um ótimo recurso para oferecer melhores oportunidades de aprendizagem no ensino presencial.

A Teoria da Distância Transacional de Moore nos ensina que, mais que um obstáculo a ser superado, a distância física deve ser percebida como uma oportunidade a ser positivamente explorada e aproveitada.

Referências Bibliográficas

Azevêdo, Wilson (2001). EaD: 100% não funciona?. Disponível na web em http://www.aquifolium.com.br/educacional/artigos/wide.html

Peters, Otto (2001). Didática do Ensino a Distância. Experiências e estágio da discussão numa visão internacional. S. Leopoldo, Editora Unisinos.

Ricoeur, Paul (1988). Interpretação e Ideologias. Rio de Janeiro, Francisco Alves.

Publicada em: 30/08/2002

 

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