Qualis - ISSN - 1806 - 1362 / DOI 10.17143 / abed1995
 




 

Cartas ao Editor

Carta ao editor-chefe da revista eletrônica da ABED

Eduardo Stefanelli

Carta ao editor-chefe da revista eletrônica da ABED.
Prezado Prof. Romiszowski,

Na condição de membro do Comitê Científico da RBAAD li, atentamente o artigo "Novas Tecnologias no E-learning: Desafios e Oportunidades para o Design" achando-o interessante e importante de ser publicado, porém, confesso, estou com um sentimento dicotômico de exultação e medo.

Neste artigo o autor apresenta novas ferramentas, padrões e conceitos que objetivam otimizar o planejamento e a produção de soluções educacionais. Ele também apresenta alguns padrões e metodologias para desenvolvimento de materiais voltados para treinamento baseado em computadores. Outro ponto abordado foi a inclusão dos objetos de aprendizado (learning objects), que, em síntese, é o planejamento dos conteúdos de modo que sua reutilização seja possível em outros projetos (analogamente aos 'objetos' na programação orientada a objetos). Ele apresenta alguns exemplos de sistemas educativos concebidos sob esta perspectiva e conclui seu trabalho advertindo que as empresas que produzem e-learning devem procurar se manter em compasso com a tecnologia.

Meu objetivo, com a possível publicação deste texto, é o de desencadear uma discussão com os seletos leitores desta revista dos pontos positivos e negativos da adoção deste padrão por parte dos desenvolvedores e usuários de programas educativos informáticos.

Eu sou professor de Desenho Técnico. Contudo, recentemente, fui convocado a proferir aulas presenciais de Informática Básica. Durante o processo de planejamento do curso fiz uma pesquisa na Internet objetivando fornecer aos estudantes opções de materiais e de cursos on-line. Para minha surpresa, o motor de busca encontrou várias centenas de materiais que versavam sobre este assunto. A qualidade deles ia da excelência a um estado que deveria ser punido com os rigores da lei. Pus-me a pensar. A somatória do tempo investido por cada um dos autores, certamente, foi tremenda e, por via de regra, todos tratavam da mesma linha do assunto. Levando-se em questão somente os materiais tidos como de boa qualidade (os que atingiam o objetivo de ensinar algo útil, em um tempo, ao menos, igual ao que o aprendiz investiria utilizando-se de outros recursos) as diferenças de metodologia ou de conteúdo eram pequenas e, se uma abordagem semelhante à programação orientada a objetos fosse imprimida neste contexto, certamente, haveria uma disponibilidade de horas que cada autor poderia dedicar em se aprofundar em algum tópico específico do assunto, ramificando-o.

Para prosseguir com meus comentários devo discutir os princípios metodológicos envolvidos na programação orientada a objetos. Evidentemente este parágrafo não pretende esgotar o assunto, tão pouco se prender aos rigores desta metodologia. Seu objetivo é fundamentar a linha de raciocínio que adotarei a seguir. Se o leitor conhecer as idiossincrasias desta programação recomendo que passe para o próximo parágrafo. Antes da adoção da programação orientada a objeto, os programas de computador (seqüência de códigos que põe para funcionar estas máquinas) eram estruturados em códigos seqüenciais. Uma série de palavras (vocabulário) era aplicada seguindo um conjunto de regras (gramática). Ao final um texto (algumas vezes com centenas de milhares de linhas) ensina o computador como processar os dados que recebe na forma de entrada, e como apresentar os resultados (saída). Este processo parece com o de escrever um livro. Rapidamente percebeu-se que esta forma de trabalho não fazia sentido. Todas as vezes que era necessário, por exemplo, organizar uma lista de números na forma crescente escrevia-se o algoritmo que realizava esta tarefa. Toda vez que se necessitava produzir um novo sistema iniciava-se do zero. Era um desperdício de esforços. Contrastando-se a esta metodologia surgiu a programação orientada a objeto. Neste modelo, a priori, se o programador precisa organizar uma lista de números ele fornece esta lista a outro programa, que pode ter sido desenvolvido por outro programador, que retorna a lista organizada. Por analogia 'inventa-se a roda uma única vez'. A programação orientada a objeto está mais para a 'Evolução das Espécies pela Seleção do Mais Apto' (Charles Darwin). Por exemplo: ao comparar dois mamíferos (cão e urso) veremos que há mais aspectos em comum entre eles que distintos. Por absurdo, se um programador de computador, que utilize a programação orientada a objeto, fosse criar uma nova espécie de mamífero pegaria como base uma que se pareça com o resultado que ele espera e implementaria as diferenças. Enquanto o outro começaria do zero.

Por princípio, a transposição destes conceitos para a educação pode parecer natural. Quando desenvolvi o material para dar suporte às minhas aulas de Informática Básica (o enésimo e um) tinha em mente que seria muito produtivo se 'pegasse' o tópico 'História da Informática' do material "X", o 'Fundamento de Hardware' do material "Y" e 'Software' do material "Z" e juntasse tudo sobrando, assim, tempo para adicional algumas peculiaridades ao resultado final. Entretanto esta transposição não é tão natural quanto parece.

Entendo que no fenômeno da transferência da metodologia da programação orientada por objeto para a educação estejamos incorrendo no mesmo erro que angustia uma série de autores. No site da ABED (http://www.abed.org.br) encontra-se um texto onde evidencio alguns problemas gerados na transferência de materiais de uma mídia para a outra sem o cuidado de planejá-los para as idiossincrasias do novo ambiente. Vou dar um tosco exemplo (que até hoje não tive coragem de escrever). Pensemos em algum livro (Guerra e Paz, por exemplo). Nós podemos travar contato com seu conteúdo por intermédio da leitura. Parece-me muito agradável, folhear suas páginas dentro de meu próprio ritmo, imaginado os trajes e ambientes, quem sabe à sombra de uma árvore. Outra opção seria ir ao cinema e assistir ao filme deste livro. Também me parece adequado. Possivelmente travaria contato com a história em um tempo menor, (já que não precisaria ler a descrição dos trajes e ambientes), outra diferença é que o faria de uma forma passiva (o ritmo da aquisição deste conhecimento seria ditado pelo filme). Um nunca acabar de diferenças poderiam ser elencadas aqui. Se uma mídia é melhor que a outra depende de cada um. Absurdo seria pensar em ir ao cinema e ler o conteúdo do livro que 'rolaria' pela tela do mesmo modo que fluem os créditos ao final do filme. Em maior ou menor grau este fenômeno se repete na transferência de conteúdos entre mídias. (Arlindo Machado, Pfromm Netto, Alexander Romiszowski, Eduardo Stefanelli).

Temo estar presenciando este fenômeno na transferência da metodologia da programação orientada a objeto para a educação. Como aludi em alguns parágrafos acima, a programação orientada a objeto pressupõe a utilização de algoritmos desenvolvidos previamente. Contudo, no exemplo da lista de números ordenada, sabe-se que o algoritmo "A" produz resultados melhores do que o "B" para aquela ordenação específica. E na educação? Será que já concluímos o que há de melhor? Quem avaliará a eficácia dos programas educativos? Quem avaliará o avaliador? Será que vamos sobrecarregar objetos educacionais que não produzem resultados de aprendizagem/ensino e multiplicarmos por vezes e vezes sua ineficácia? Outro detalhe que me preocupa é que independentemente dos itens da lista que forneço para ser ordenada o resultado final é sempre o mesmo. Independente dos itens da lista ou da metodologia adotada pelo algoritmo. E na Educação? Será que sempre obteremos os mesmos resultados de ensino-aprendizagem independentemente da metodologia de ensinar e aprender adotada ou dos aprendizes?

Outro aspecto que gostaria de enfocar, que, por certo, não passou despercebido pelo autor do artigo em questão (visto que a palavra 'planejamento' e seus sinônimos foi utilizada diversas vezes em seu texto), é a importância de se planejar os cursos em qualquer meio focados diretamente para o público que lhe é destino. Será que conseguiremos criar objetos educacionais tão exíguos que poderemos, partindo de seu arranjo, desenhar cursos para qualquer público? Ou será que, novamente, sucumbiremos ao despotismo das organizações que produzem soluções que resolvem qualquer problema?

Esforços para criar metodologias de reutilização de materiais previamente produzidos não são novidade. Por exemplo: na década de 60 Robert Horn desenvolveu uma técnica, consagrada, de escrever-se mapas de informação. Nesta técnica cada parágrafo expressa somente uma idéia -que só é expressa neste parágrafo-, o chamado 'bloco de informação'. Em seus estudos Horn incorporou os melhores princípios de comunicação, textual e gráfica, assim cada bloco atua como um 'link' em um hipertexto. Todavia, como se sabe, educação não é a mera exposição do aprendente à informação. Para que exista ensino/aprendizagem é necessário ao menos: 1) expor o aprendente ao conteúdo; 2) proporcionar condições para a prática -envolver o aprendente-; 3) desencadear algum processo de avaliação. Completando este raciocínio: a condição mínima para existência de um objeto de aprendizagem é a incorporação destes três fatores. A aplicação somente do primeiro deles, no meu entendimento, produz objetos de informação.

Concluindo. Neste assunto tenho mais dúvidas que certezas. A tecnologia da programação orientada a objeto é isenta de ideologia. Por si só ela não é boa nem má. Bom ou ruim são os resultados que sua adoção podem produzir em determinados contextos. Cabe a nós, educadores, discutirmos estas implicações.

Eduardo Stefanelli

Publicada em: 03/02/2004

 

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