A CONSTRUÇÃO DE COMUNIDADES VIRTUAIS NUMA EDUCAÇÃO INTERATIVA

Abril/2004

 

Simone de Lucena Ferreira
FACED/UFBA slucen@ufba.br

Lucídio Bianchetti
CED/UFSC lucidiob@uol.com.br

Tema: Educação a distância nos sistemas educacionais
Categoria: Educação universitária

Resumo
Neste trabalho vamos discutir o conceito de comunidades virtuais, partindo do entendimento do que significa comunidade. A sociedade contemporânea, cada vez mais permeada pelas TIC, tem potencializado a formações de novos coletivos que estão sendo denominados de comunidades virtuais. Acredita-se que a chamada “geração digital” (Tapscott, 1999) também presente na escola, está desencadeando novas formas de relacionamento e criando novos coletivos, que têm na internet o espaço de sua constituição.
Discutir sobre a formação dos grupos virtuais que estão sendo formados em diversas disciplinas nos vários níveis de ensino do sistema educacional.além das formas de interatividade que neles se concretizam, é um dos objetivos deste trabalho fruto da pesquisa de dissertação de mestrado apresentada no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina. Esta foi pesquisa desenvolvida com apoio da CAPES por meio do Programa de Apoio à Pesquisa em Educação a Distância – PAPED/2003.

Palavras-chave:
Comunidades virtuais, educação e interatividade

 


1. Revendo o conceito de comunidade

A história da humanidade apresenta, em diferentes momentos, a formação e o relacionamento de grupos sociais nas diversas regiões do planeta. Sendo o homem um ser gregário, sempre buscou o convívio em grupos. A família, predominantemente, constitui-se em seu primeiro grupo social. Depois da família, outros grupos foram surgindo, ligados por interesses comuns como, por exemplo, as instituições religiosas. A comunidade, então, pode ser caracterizada de maneira simplificada como um conjunto de pessoas que vivem num mesmo espaço, partilhando os mesmos valores, crenças e cultura.

Etimologicamente, a palavra comunidade deriva de comum: algo que pertence a todos. Conceitualmente, várias são as definições dadas para o termo. O dicionário de Ciências Sociais (1986) cita que já foram encontradas 94 definições, embora não haja um consenso entre os cientistas sociais além da referência de que as pessoas vivem em comunidade. A dificuldade em estabelecer um significado preciso para esta palavra fez com que ela fosse usada quase sempre como sinônimo de sociedade, aldeia, organização social, associação de bairro, conjunto habitacional ou clube esportivo. Todas estas significações, porém, corroboram a idéia de que, para existir, uma comunidade deve ocupar um locus, um território específico, um espaço geograficamente determinado onde as pessoas estejam ligadas pelos mesmos interesses. Acredita-se que as pessoas que vivem em comunidade possuem um senso de interdependência e integração.

Contudo, não é apenas o fato de um grupo viver num determinado território que irá caracterizá-lo como uma comunidade. Para que ela exista, seus integrantes necessitam ter um ‘sentimento’ de comunidade, algo que, segundo Bauman (2003), citando Tönnies, é um “entendimento compartilhado por todos os membros. Não um consenso” (p.15). Isso porque consenso se refere a uma escolha de opinião feita pela maioria. Para haver consenso é preciso que haja alternativas de escolha que possam ser analisadas e votadas. Já o entendimento compartilhado a que Tönnies faz referência é tácito e flui de maneira natural entre os integrantes do grupo.

Bauman (2003), baseado nas idéias de Tönnies, diz que “comunidade significa entendimento compartilhado do tipo ‘natural’ e tácito’, ela não pode sobreviver ao momento em que o entendimento se torna autoconsciente, estridente, vociferante” (p. 17). Por isso, o autor nos mostra as dificuldades enfrentadas com o surgimento das comunicações entre as pessoas da comunidade e o mundo exterior. Desde então,

suas condições começam a desabar: quando o equilíbrio entre a comunicação “de dentro” e “de fora”, antes inclinado para o interior, começa a mudar, embaçando a distinção entre “nós” e “eles”.(...) Exatamente essa fissura nos muros de proteção da comunidade se torna trivial com o aparecimento dos meios mecânicos de transporte; portadores de informação (p. 18).

Dentro desta perspectiva, a partir do momento em que a comunidade passa a ter troca de informações com o mundo exterior, as fronteiras são quebradas e a comunidade passa a ser uma sociedade como a conhecemos atualmente. Talvez o desenvolvimento dos meios de transporte e de comunicação tenha modificado as relações da comunidade, mas será que isso significa que ela tenha desaparecido ou que hoje exista apenas na ficção, como escreveu James Hilton no livro Horizonte Perdido (1)? Antigas tradições nem sempre desaparecem com o surgimento de outras, mas elas podem se juntar criando espaços híbridos. Os monjes do Tibete, que hoje convivem também com novas fontes de informação e com acesso à internet, seriam ainda considerados uma comunidade?

Percebe-se, desta forma, que a escolha por uma definição específica de comunidade não dará conta de abarcar os diversos grupos que estão se formando e que se denominam também como comunidade. Nesta perspectiva, Hobsbawn (1995) alerta-nos que “jamais a palavra ‘comunidade’ foi usada mais indiscriminada e vaziamente do que nas décadas em que as comunidades no sentido sociológico se tornaram difíceis de encontrar na vida real – a ‘comunidade de informação’, a ‘comunidade de relações públicas’, a ‘comunidade gay’” (p. 416). Os grupos étnicos criam, na verdade, identidades, mas não comunidades. Eles são “grupos de identidade” (Idem, p. 417) constituídos por pessoas que possuem as mesmas características existenciais. Bauman (2001) comenta que Jock Young conseguiu resumir o pensamento de Hobsbawn em relação à identidade da seguinte forma: “Exatamente quando a comunidade entra em colapso, inventa-se a identidade” (p. 196). Entretanto, identidade não é um retorno à comunidade, pois identidade é individual, singular e, por isso, diferente para cada pessoa ou grupo.

É possível que a formação de comunidades localizadas em territórios geograficamente demarcados, conforme entendido por Bauman, seja mesmo difícil de acontecer no mundo contemporâneo, porém o desenvolvimento da comunicação baseada nas TIC tem feito com que novos coletivos de pessoas estejam sendo formados com objetivos comuns. Esses novos coletivos virtuais não ocupam apenas um espaço determinado, mas cada ponto da rede onde haja um integrante conectado realizando atualizações. Esses novos coletivos têm sido denominados de comunidades virtuais.

Esta denominação faz referência ao fato dessas comunidades estarem presentes no ciberespaço, onde as categorias de tempo e espaço estão redimensionadas. Desta forma, o espaço torna-se independente de qualquer lugar ou região específica. Sobre uma outra perspectiva de análise, Giddens (1991) entende que as novas configurações de tempo e espaço são características da modernidade, onde

o lugar se torna fantasmagórico: isto é, os locais são completamente penetrados e moldados em termos de influências sociais bem distantes deles. O que estrutura o local não é simplesmente o que está presente na cena; a “forma visível” do local oculta as relações distanciadas que determinam a sua natureza (p. 27).

Os novos coletivos que surgem com as TIC possuem peculiaridades próprias do ciberespaço onde a virtualização e a hipertextualidade são suas características básicas. Por este motivo, será que o fato de possuírem aspectos diferenciados do conceito de comunidade aqui apresentado, estas comunidades virtuais podem ser entendidas como comunidades?

 

2. As comunidades virtuais e os novos coletivos

Em discussões anteriores dissemos que as tecnologias da informação e da comunicação, sobretudo a internet, apresentam uma nova reconfiguração das dimensões tempo e espaço. O redimensionamento dessas categorias vai proporcionar novas relações entre as pessoas, criando novos hábitos, valores, costumes e comportamentos. Alguns autores (Lemos, 2002; Lévy, 1999) irão referir-se à existência de uma nova cultura própria do ciberespaço (2). Essa cultura será denominada de cibercultura.

A cibercultura se desenvolveu com os impactos socioculturais da micro-informática na década de 1970. No entanto, para Lemos (2002) o que vai distinguir a cibercultura não é apenas o potencial tecnológico, “mas uma atitude que, no meio dos anos 70, influenciada pela contracultura americana, acena contra o poder tecnocrático” (p.107). Desta forma, esse autor irá definir a cibercultura como um movimento sócio-cultural que surge da relação entre a sociedade, a cultura e as tecnologias digitais.

Essa cultura digital está presente em nossa vida diariamente, não apenas quando utilizamos a Internet, mas em todas as atividades que envolvem a relação pessoa humana-máquina como, por exemplo, o uso de terminais bancários, telefone celular, palms, pages, cartões de crédito, webcam, pagamentos de impostos via internet e tantas outras atividades que realizamos sem nos dar conta de que tudo isso faz parte da cibercultura. Nessa nova sociabilidade digital, qualquer pessoa pode, a priori, ser um emissor e receptor de informações em tempo real para qualquer lugar do mundo, desde que esteja conectada à rede. Essa possibilidade de interconectividade faz da cibercultura um universo sem totalidade (Lévy, 1999).

A forma de comunicação mais utilizada na Internet é sem dúvida o correio eletrônico que, segundo Castells (2003), ocupa 85% das atividades desenvolvidas na rede. Porém outras formas de comunicação também podem ser utilizadas, pois, a cada dia, novos ambientes virtuais são criados. A cibercultura potencializou o desenvolvimento de novos grupos de pessoas que se comunicam por afinidades e com objetivos comuns. Esses grupos passaram a ser conhecidos como comunidades virtuais.

Para Castells (2003), as comunidades virtuais foram analisadas inicialmente de forma simplista e enganosa, pois foram colocadas como “oposição ideológica entre a comunidade local harmoniosa de um passado idealizado e a existência alienada do ‘cidadão da Internet’ solitário, associado com demasiada freqüência, na imaginação popular, ao estereótipo do nerd” (p. 98).

As comunidades on line hoje têm como principal característica a capacidade de aglutinar pessoas com os mesmos interesses em torno de um objetivo comum e assim motivar trocas interativas. Nestas comunidades, é mais comum encontrarmos diversas facetas do eu, segundo os estudos realizados por Turkle (1995) sobre a construção de identidades na internet.

As comunidades virtuais analisadas por Turkle (1995) eram baseadas em programas de computador que podiam ser acessados pela internet e onde era possível navegar, conversar e construir. Elas foram chamadas de MUDs (Mult-User Dungeons), cuja origem veio do jogo de papel Dungeons and Dragons, que virou moda entre os jovens que freqüentavam liceus e universidades na década de 1970 e início dos anos 80.

Os MUDs, afirma Turkle (idem, p. 23), “são lugares onde o eu é múltiplo e construído pela linguagem, são também lugares onde as pessoas e as máquinas mantêm entre si uma nova relação, podendo até ser confundidas umas com as outras”. Os estudos dessa autora, entretanto, indicam que há uma distinção entre uma identidade construída nos MUDs e a identidade real, mas há pontos onde personagem e ator se fundem e onde os múltiplos personagens se reúnem para abarcar aquilo que o indivíduo considera ser o seu eu autêntico.

Percebemos que o ciberespaço potencializa a construção de diferentes tipos de comunidades virtuais, mas nem todos concordam que as comunidades existentes na rede sejam consideradas comunidades. Por este motivo, Lemos (2002) ressalta que “nem toda associação no ciberespaço é comunitária, existindo, de forma muito extensa, agregações comunitárias e contratuais de tipo societário” (p. 154). Este autor prefere que se evite falar em comunidades virtuais de forma generalizada, mas em agregações eletrônicas, pois as novas tecnologias possibilitam a união de pessoas localizadas em diferentes pontos geográficos.

Para Rheingold (1993), as comunidades virtuais são agregações sociais que surgem na internet quando um número suficiente de pessoas leva adiante discussões públicas longas e com suficiente sentimento humano a ponto de estabelecerem redes de relacionamentos no ciberespaço. Este autor foi um dos pioneiros a organizar comunidades virtuais. Sua primeira comunidade recebeu o nome de WELL (Whole Earth ‘Lectronic Link), criada em 1985, juntamente com os editores da revista Whole Earth Review. Nesta comunidade, os integrantes mantêm relações intelectuais, sociais e afetivas. Atualmente, Rheingold tem também uma outra comunidade, a dos Brainstorms (3), onde as pessoas interagem em discussões sobre tecnologia, futuro, cultura, sociedade, família, criatividade, livro, música, saúde e trabalho.

Segundo Rheingold, as comunidades virtuais são espaços onde é possível o desenvolvimento de mentes coletivas, pois quando alguém tem a necessidade de obter uma informação específica ou mesmo ter uma opinião mais especializada sobre um assunto, a comunidade funciona como uma “enciclopédia viva”, auxiliando a pessoa a encontrar aquilo que deseja sem ter que se afogar no ‘mar de informações’ da rede. Dentro desta perspectiva, Lévy (1999) também defende que as comunidades virtuais possibilitam a formação de inteligências coletivas nos seus aspectos participativo, socializante, descompartimentalizante e emancipador.

As comunidades virtuais são constituídas por grupos que possuem afinidades de interesses, projetos comuns, construção de conhecimentos coletivos por meio de trocas interativas e cooperação. Todas as atividades desenvolvidas numa comunidade virtual independem do espaço geográfico onde cada membro possa estar localizado. Isso não significa dizer que pelo fato da comunidade estar no ciberespaço suas relações sejam frias e distantes como imaginam as pessoas que rejeitam este tipo comunidade. Lévy (1999) ressalta que as comunicações feitas por meio da rede não raro são complementadas ou adicionadas por encontros presenciais, pois “o desenvolvimento das comunidades virtuais acompanha, em geral, contatos e interações de todos os tipos” (p. 129). Prova disso, segundo esse autor, foi o crescimento significativo dos meios de comunicação e transporte nos últimos tempos.

Algumas comunidades são organizadas por instituições ou por alguém que fica responsável por criar e/ou coordenar o ambiente virtual para a comunidade interagir. Assim poderíamos dizer que este tipo de comunidade é previamente planejada, pois são escolhidas as formas de comunicação como listas, chats, webcam e fóruns. Existe, entretanto, a possibilidade de uma comunidade ir se formando sem que haja um planejamento prévio e sem haver inicialmente um objetivo comum. Isso pode acontecer com pessoas que se conhecem em salas de bate-papo e que, a partir disso, passam a se comunicar diariamente para discutir os mais variados assuntos.

O gradativo desenvolvimento dos blogs e fotologs tem proporcionado o surgimento de uma nova rede de comunicação. É possível acessar um blog e nele encontrar diversos links para outros blogs que quase sempre tratam de assuntos semelhantes. Os blogueiros trocam mensagens pelos seus blogs e usam também outros dispositivos comunicacionais disponibilizados pela rede como ICQ, MSN, IRC, e-mail, além de organizarem também encontros presenciais.

A migração do conceito de comunidade do seu sentido clássico, com território geográfico determinado e com poucos integrantes, sofreu alterações ao ser incorporado pelas tecnologias digitais, sendo por este motivo chamada de comunidade virtual. Esta nova comunidade apresenta características próprias da ambiência na qual ela se encontra – o ciberespaço – que é também fluído e mutável. Por este motivo, a própria comunidade on line irá sofrer alterações, deixando de ser um espaço fechado, formado para a discussão de determinados conteúdos. Hoje é possível encontrar comunidades virtuais com milhares de integrantes espalhados pelo planeta, mas unidos por afinidades e que discutem sobre vários assuntos de acordo com o interesse de cada um. As dúvidas e inquietações pessoais são colocadas no grupo e poderão ser discutidas pelos membros que conhecerem e/ou tiverem interesse no tema abordado.

Dentro desta perspectiva, será que o grande hipertexto formado pelos blogs pode ser uma outra forma de comunidade virtual? Será que o fato dos blogueiros se comunicarem com freqüência e estarem ‘linkados’ entre si seria um indício de que há outras formas de comunidades virtuais que não necessariamente são planejadas e estruturadas para atender determinadas necessidades? Ou seriam eles apenas novos coletivos ou agregações eletrônicas (Lemos, 2003) na rede?

 

3. As comunidades de aprendizagem

O desenvolvimento de listas de discussão utilizando correio eletrônico tornou-se uma das atividades mais utilizadas na Internet no final da década de 1990, principalmente entre pesquisadores, alunos e professores. Embora o e-mail tenha sido a primeira forma de comunicação do ciberespaço, parece que foram as listas que vieram trazer a sensação de se estar integrando uma comunidade virtual, mesmo com as reais distâncias existentes entre seus membros.

Para criar uma lista de discussão é necessário utilizar um servidor de lista disponível gratuitamente na rede. Este servidor irá distribuir as mensagens, informativos e outras publicações entre os assinantes da lista. Existem listas que são abertas, livres, onde qualquer pessoa pode se inscrever e participar das discussões, outras, porém são restritas e possuem um moderador, que autoriza a entrada dos membros e também modera as mensagens enviadas ao grupo. Geralmente as listas são criadas por temas, objetivando discussões mais aprofundadas entre os participantes. Por este motivo, as listas passaram a ser uma das formas mais utilizadas na educação pelos professores que acreditam que elas podem ser a concretização daquilo que McLuhan (1968) denominou de “aula sem paredes”.

Numa lista, é possível a interatividade concretizar-se, embora de forma assíncrona, no sentido todos-todos, pois ela proporciona a participação-intervenção, a bidirecionalidade-hibridação e a permutabilidade-potencialidade que são os fundamentos da interatividade propostos por Silva (2000). Mas as listas não são os únicos espaços disponíveis na internet para a formação de comunidades virtuais de aprendizagem. As salas de bate-papo (chats) e os fóruns de discussão também potencializam discussões interativas.

O chat é um dos ambientes virtuais mais utilizados no ciberespaço para os mais diversos fins como: conversar com amigos, conhecer pessoas, namorar ou discutir temas específicos. Na educação ele tem sido muito utilizado nos cursos de educação à distância. As mensagens trocadas no chat são síncronas, ou seja, em tempo real, o que lhes garante um alto grau de interatividade entre seus integrantes.

No início da internet, as salas de bate-papo eram ambientes onde a linguagem comunicacional utilizada era apenas a escrita e, desta forma, toda a ação era descrita com detalhes que pudessem exprimir seu real sentido. Com o desenvolvimento de novos programas, os chats foram sendo aperfeiçoados e, hoje, além da escrita e dos já conhecidos emoticons (4) podemos incluir também avatares. Os avatares são objetos ou personagens que cada pessoa utiliza para representar a si mesmo.

Os sistemas de sala de bate-papo também foram modificados e hoje existem várias alternativas de interfaces que visam diminuir a sensação de distanciamento e impessoalidade causada pela falta de contato físico entre as pessoas. Há ambientes, como The Palace (5), que simula uma sala de reunião ou uma sala de aula virtual, onde cada integrante pode estar sentado a mesa, representado por um avatar. Neste ambiente, as conversas entre os participantes aparecem escritas em forma de balões, semelhantes aos das revistas em quadrinhos.

Assim como as listas de discussão e os chats, os fóruns são ambientes on line utilizados por comunidades virtuais e que também podem ser usados na educação. Nos fóruns, as discussões são assíncronas, sendo as mensagens postadas num quadro, classificadas de acordo com o assunto discutido em ordem cronológica e hierárquica. Desta maneira qualquer membro da comunidade poderá acessar as mensagens e identificar a seqüência das discussões. Cada integrante do fórum poderá escolher em qual ou quais discussões deseja intervir nas mensagens já postadas.

Todas estas formas de comunicação via internet, descritas acima, são utilizadas por muitas comunidades virtuais e podem também ser utilizadas na educação para a formação de comunidades de aprendizagem nos diversos níveis de ensino. Contudo geralmente são nos cursos de graduação que estes meios tecnológicos estão sendo mais utilizados. Nas disciplinas dos cursos de graduação quase sempre são criadas listas de discussão onde alunos e professores interagem sobre os assuntos estudados. Já nos cursos de EAD não somente as listas são utilizadas como também as demais formas de comunicação virtual disponíveis. Há de se considerar, entretanto, as implicações que estas transformações tecnológicas poderão trazer para o paradigma tradicional de educação centrado na lógica linear e hierárquica da transmissão de saberes, onde o professor na sua antidialogicidade (Freire, 1983) não consegue interagir com o aluno para juntos construírem conhecimentos.

A educação, sendo um dos processos mais importantes para a formação do sujeito, precisará contemplar a interatividade na relação professor e aluno, bem como o uso das tecnologias da informação e da comunicação como elemento estruturante de aprendizagens coletivas. É neste sentido que Freire afirma: “a educação não se faz de ‘A’ para ‘B’ ou de ‘A’ sobre ‘B’, mas de ‘A’ com ‘B’ mediatizados pelo mundo” (idem, p. 98).

 

4. A educação interativa

As tecnologias da informação e da comunicação estão modificando as formas das pessoas se relacionarem, construírem e transmitirem conhecimentos. Por meio dessas tecnologias, é possível a construção do conhecimento coletivo com sujeitos localizados em espaços e tempos distintos, mas que integram o mesmo ambiente virtual ou a mesma comunidade virtual de aprendizagem. As formas de buscar informações e de divulgá-las a um maior número de pessoas também foram alteradas com a disponibilização dessas tecnologias.

Neste sentido, percebemos que está surgindo uma nova relação entre professor e aluno não mais pautada na hierarquia onde o professor tem a centralidade do saber, como predominantemente ocorria no processo ensino aprendizagem presencial tradicional. Ao mesmo tempo, a simples existência das TIC não garante um processo pedagógico mais rico e desafiador. É possível continuar tradicional mesmo usando as novas tecnologias.

O que queremos evidenciar neste trabalho é que a presença das TIC aliadas a uma perspectiva comunicacional que contemple a interatividade, onde alunos e professores possam ser emissores e receptores que interagem, tanto virtual como presencialmente, de forma bidirecional, baseada na participação-intervenção e na permutabilidade-potencialidade, poderá ser uma forma de concretizar uma outra educação. Atualmente, porém, ainda percebemos a predominância de uma educação baseada no paradigma tradicional, na qual o professor deposita conteúdos no aluno, que rapidamente consegue esquecê-los, pois não foram conhecimentos construídos; foram apenas informações transmitidas e decoradas.

Neste aspecto, é importante ressaltar que há uma imprescindibilidade do educador que seja articulador, comunicador e mediador de conhecimentos. Contudo, o professor transmissor de conteúdos e antidialógico muito provavelmente estará próximo da desintermediação (Lévy, 1996), pois as TIC oferecem informações mais atuais e com possibilidades interativas.

Entretanto, se as informações hoje podem ser acessadas com maior facilidade nas redes de comunicação, cabe então ao professor atribuir-lhes significados, associando-as a outros conteúdos bem como interpretando-as e relacionando-as com a cultura e as experiências de vida de cada sujeito. Neste sentido, Lévy (1993) ressalta que

a operação elementar da atividade interpretativa é a associação; dar sentido a um texto é o mesmo que ligá-lo, conectá-lo a outros textos, e portanto, é o mesmo que construir um hipertexto. É sabido que pessoas diferentes irão atribuir sentidos por vezes opostos a uma mensagem idêntica. Isto porque, se por um lado o texto é o mesmo para cada um, por outro o hipertexto pode diferir completamente. O que conta é a rede de relações pela qual a mensagem será capturada, a rede semiótica que o interpretante usará para captá-la (p.72).

Por este motivo, Lévy (1993) considera o hipertexto como uma multimídia interativa que pode ser adequada aos processos educativos, pois, para ele, “é bem conhecido o papel fundamental do envolvimento pessoal do aluno no processo de aprendizagem. Quanto mais ativamente uma pessoa participar da aquisição de um conhecimento, mais ela irá integrar-se e reter aquilo que aprender” (p. 40).

A criação de um hipertexto é uma atividade que, inicialmente, pode parecer complexa e, por isso, ser rejeitada por professores, que não se sintam capazes de criá-lo. Muitas vezes, isso faz com que alguns educadores acabem delegando esta tarefa ao Webmaster. A utilização de hipertextos na educação, no entanto, é algo que poderá ser melhor explorado por professores e alunos, se se criarem links que estabeleçam novas conexões onde seja possível, diante da informação, analisá-la, modificá-la, compartilhá-la e produzir outros conhecimentos por meio das múltiplas imagens, vozes e textos.

A geração digital, cria novas formas de se relacionar com as tecnologias e com o mundo, dentro de uma lógica não linear e rizomática onde as construções ocorrem por associações e por links. Nesse sentido, pensar uma educação onde as tecnologias digitais possam estar presentes, significa dizer que ela não poderá ser linear, nem hierárquica, e que será preciso mudar o paradigma educacional tradicional. Não é interessante usar as novas tecnologias para repetir velhas práticas educacionais em que o aluno continuará sendo apenas o receptor de conteúdos padronizados.

Utilizar as TIC na educação será um desafio para o professor, pois, logo, ele perceberá que a lógica interativa destas tecnologias requer uma postura diferenciada da queda da sala de aula tradicional. Nem todos os professores, porém, conseguem perceber esta diferença e, então, desta forma subutilizam as tecnologias digitais, tornando-as ferramentas pedagógicas.

Pretto (1996) diz que há duas possibilidades de se utilizar as tecnologias na educação: como instrumentalidade e como fundamento. Usá-las como instrumentalidade é colocá-las como recursos didáticos, que servem para ‘animar a aula’, ‘motivar o aluno’ ou ‘prender a atenção dos estudantes’. Nesta perspectiva, “a educação continua como está, só que com novos e avançados recursos tecnológicos. Ou seja, o futuro está no equipamento e não na escola” (p. 115). Ao utilizar a tecnologia, seja ela um vídeo ou um software ‘educativo’, de forma instrumental para substituir a aula, que poderia ser uma comunicação interativa, entre alunos e professores no debate de diferentes aspectos e iniciando investigações, o professor estará, ele próprio, iniciando seu processo de desintermediação.

Já a outra possibilidade apontada por Pretto consiste em utilizar as TIC como fundamento, ou seja, como elemento estruturante carregado de conteúdo e possibilitador de uma nova forma de ser, pensar e agir. Na perspectiva do fundamento, é possível também incorporar o uso instrumental, que poderá ajudar a realizar atividades construtivas. Mas o inverso, que seria usar as TIC como instrumentalidade e, a partir, daí como fundamento, não é possível de acontecer. Segundo Pretto

o uso como instrumentalidade esvazia esses recursos de suas características fundamentais, transformando-os apenas num animador da velha educação, que se desfaz velozmente uma vez que o encanto da novidade também deixa de existir” (idem, p. 114).

A inserção das tecnologias digitais na educação re-orienta uma discussão que há muito tempo vem sendo realizada sobre a EAD. Esta forma de educação não é nova, porém as TIC oferecem-lhe novos elementos, que necessitam ser analisados. Como será esta ‘nova’ EAD na perspectiva pedagógica e tecnológica? Como professores e alunos irão interagir?

As respostas para estas questões não estão definidas a priori, pois ainda há muitos caminhos a serem trilhados e várias possibilidades a serem utilizadas. Contudo é importante pensarmos que educar com as novas tecnologias significa propor desafios que possam ajudar o aluno a entrar no labirinto da informação, mas sem a metáfora do fio de Ariadne, pois cada link estabelecido é uma oportunidade de rever os conhecimentos já construídos e construir novos saberes. Neste sentido, o professor não estabelece um caminho, muito menos um mapa ou uma rota. É importante que o aluno crie seu próprio percurso, produzindo a sua teia de informações, interligando os saberes e realizando a permutabilidade-potencialidade própria das redes digitais. Nesse ambiente hipertextual, os sujeitos inseridos no processo educacional terão espaço para a participação, o diálogo e a construção coletiva de novas linguagens. Quando novos meios e linguagens são incorporados à aprendizagem, eles acabam gerando novas formas de conceber o mundo, estruturando novas relações e novas maneiras de agir frente a uma problemática.

 


Notas:

(1)Trata-se de um romance, cuja primeira edição foi publicada em 1933. Esta obra descreve uma comunidade de monjes tibetanos que vivem no mosteiro Shangri-La, onde a paz, a harmonia, o auto-conhecimento e a felicidade estão presentes diariamente.
(2)Compreendemos o ciberespaço de acordo com a perspectiva de Lévy (1999), que o compreende como “o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores” (p. 92).
(3)Para maiores informações sobre Rheingold e suas comunidades virtuais ver http://www.rheingold.com - acessado em 04/09/2003
(4)Também conhecido como smiley, é uma seqüência curta de letras e símbolos do teclado, geralmente imitando uma expressão facial ou um sentimento que complemente a mensagem
(5)Ver em: www.thepalace.com


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por uma segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2003.
CASTELLS, Manuel. A galáxia da Internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
DICIONÁRIO DE CIÊNCIAS SOCIAIS. Fundação Getulio Vargas. Rio de Janeiro, 1996.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 14 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
GIDDENS, Antony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Editora da UNESP, 1991.
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia da Letras, 1995.
LEMOS, André. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2002a.
LEMOS, André e CUNHA, Paulo (orgs.). Olhares sobre a cibercultura. Porto Alegre: Sulinas, 2003.
McLUHAN, Marshall. Aula sem paredes. In: CARPENTER, E. & MCLUHAN, M. Revolução na comunicação. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.
_________ . O que é virtual? São Paulo: Editora 34, 1996.
_________ . Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
PRETTO, Nelson De Luca. Uma escola sem/com futuro: educação e multimídia. Campinas-SP: Papirus, 1996.
RHEINGOLD, Howard. The virtual community: homesteading on the Eletronic Frontier. Reading, Mass.: Addison-Weslwy Publishing Company, 1993.
SILVA, Marco. Sala de aula interativa. Rio de Janeiro: Quartet, 2000.
TAPSCOTT, Don. Geração digital: a crescente e irrevesível ascensão da Geração Net. São Paulo: Makron Books, 1999.
TURKLE, Sherry. A vida no ecrã: identidade na era da Internet. Lisboa, Relógio D’Água, 1995.