DESIGN INSTRUCIONAL CONTEXTUALIZADO

Abril/2004

 

Andrea Filatro
Faculdade de Educação da USP –  afilatro@uol.com.br

Stela Conceição Bertholo Piconez
Faculdade de Educação da USP –  afilatro@uol.com.br

 

TEMA B: Planejamento, Elaboração e Avaliação de Materiais Didáticos para Educação a Distância
CATEGORIA 2: Educação Universitária
            

Resumo:
Este artigo analisa de que forma o design instrucional pode valer-se das potencialidades da Internet para incorporar às situações reais de ensino-aprendizagem elementos como a aprendizagem informal, a aprendizagem autônoma, a aprendizagem cooperativa e gerar experiências autênticas de aprendizagem que atendam às demandas específicas do mundo do trabalho e às demandas gerais de uma Sociedade na Era da Informação.
Sob uma perspectiva mais versátil, personalizável e autêntica, que encontra eco nas potencialidades oferecidas pelas tecnologias de informação e comunicação, este trabalho descreve a aplicação de uma proposta híbrida de design instrucional a uma situação de ensino-aprendizagem do contexto universitário, ancorada em um ambiente virtual de aprendizagem.

Palavras-chave: 
design instrucional contextualizado, educação e tecnologia, aprendizagem on-line, ambientes virtuais de aprendizagem, educação a distância, WebCT

 


1 – INTRODUÇÃO

Em um nível macro, o design instrucional é compreendido como o planejamento do ensino-aprendizagem, incluindo atividades, estratégias, sistemas de avaliação, métodos e materiais instrucionais. Tradicionalmente, tem sido vinculado à produção de materiais didáticos, mais especificamente à produção de materiais analógicos.

Com a incorporação das tecnologias de informação e comunicação, em especial a Internet, ao processo de ensino-aprendizagem, faz-se necessária uma ação sistemática de planejamento e a implementação de novas estratégias didáticas e metodologias de ensino-aprendizagem.

Ao lado das TICs, transformações socioeconômicas, políticas e culturais das últimas duas décadas colocam em xeque estão currículos e prioridades educacionais (o que ensinar), estilos de pedagogia e andragogia (como ensinar) e a própria institucionalização do ensino (quem detém o poder de ensinar e validar a aprendizagem), impelindo-nos a uma nova lógica de ensino (LITTO, 1997; KENSKI, 1998).

O objetivo deste artigo é descrever como o design instrucional pode beneficiar-se das potencialidades da Internet para incorporar às situações reais de educação elementos como a aprendizagem informal, a aprendizagem autônoma e a aprendizagem cooperativa para atender às demandas da sociedade por um novo paradigma educacional. Para isso, apresentamos o uma abordagem teórica do design instrucional contextualizado e a seguir os resultados de um estudo de caso no qual esse conceito foi aplicado em uma situação didática específica.

 

2 – OS DESAFIOS DO DESIGN INSTRUCIONAL NA EDUCAÇÃO ON-LINE

A educação on-line é uma ação sistemática de uso de tecnologias, incluindo hipertexto e redes de comunicação interativa, para distribuição de conteúdo educacional e apoio à aprendizagem, sem limitação de tempo ou lugar (anytime, anyplace). Sua principal característica é a mediação tecnológica através da conexão em rede.

A educação on-line se concretiza em diferentes modalidades, que vão desde a educação presencial apoiada por tecnologias até a educação totalmente a distância. O nível de utilização das TICs depende em grande parte da infra-estrutura tecnológica disponível (como largura de banda e espaço em disco), da capacidade humana em lidar com as tecnologias, e também dos objetivos e educacionais propostos.

Na educação on-line, o design instrucional se dedica a planejar, preparar, projetar, produzir e publicar textos, imagens, gráficos, sons e movimentos, simulações, atividades e tarefas ancorados em suportes virtuais.

Além de representarem poderosos recursos de apoio à aprendizagem, a utilização das TICs também fortalece um movimento recente dentro da teoria e prática do design instrucional que propõe a adoção de uma nova forma de planejar o ensino-aprendizagem.

Esse movimento pode ser exemplificado por referências a um design instrucional descrito como “situado” (WILSON, 1995b), “flexível” (NIKOLOVA & COLLIS, 1998), “reflexivo e recursivo” (WILLIS & WRIGHT, 2000) ou simplesmente “construtivista” (CAMPOS et al., 1998; JONASSEN, 1998; LEBOW, 1993), cujos pressupostos básicos apontam para a necessidade de adaptar qualquer proposta de design instrucional ao contexto local de implementação.

JONASSEN (1998), por exemplo, constata que, historicamente, projetos de design instrucional têm fracassado principalmente devido aos problemas de implementação: “Com freqüência, a tentativa é implementar inovações sem considerar importantes aspectos físicos, organizacionais e culturais do ambiente nos quais a inovação está sendo implementada. Ao conceber e implementar ambientes construtivistas de aprendizagem, é importante acomodar fatores contextuais para uma implementação bem-sucedida” (p. 7)

NIKOLOVA & COLLIS (1998) acentuam a necessidade (e, com as novas tecnologias de informação e comunicação, a possibilidade) de prover aos alunos um design instrucional flexível, que propicie oportunidades efetivas de escolha: “Em um curso tradicional, há pouco ou nenhum espaço para a escolha do aluno: usualmente, os dados dos cursos são fixos, o conteúdo é predeterminado, as abordagens instrucionais já estão selecionadas e os materiais de aprendizagem são preparados com antecedência; a organização do curso é predefinida. Isso é um extremo. Na outra ponta do continuum está uma aprendizagem just-in-time, baseada no mundo do trabalho e voltada para a solução de problemas, a respeito da qual o aluno toma as decisões-chave e que ocorre ao longo de toda a vida” (pp. 60-62, grifos dos autores).

Assim, apoiado por tecnologias, o design instrucional admite mecanismos de efetiva contextualização, caracterizados por:

Por essa razão, utilizamos o termo “design instrucional contextualizado” para descrever a ação intencional de planejar, desenvolver e aplicar situações didáticas específicas que, valendo-se das potencialidades da Internet, incorporem, tanto na fase de concepção como durante a implementação, mecanismos que favoreçam a contextualização e a flexibilização.

Os modelos convencionais de design instrucional freqüentemente estruturam o planejamento do ensino-aprendizagem em estágios distintos:

a)     análise: envolve a identificação de necessidades de aprendizagem, a definição de objetivos instrucionais e o levantamento das restrições envolvidas;

b)     design e desenvolvimento: quando ocorre o planejamento da instrução e a elaboração dos materiais e produtos instrucionais;

c)     implementação: quando se dá a capacitação e ambientação de docentes e alunos à proposta de design instrucional e a realização do evento ou situação de ensino-aprendizagem propriamente ditos; e por fim

d)     avaliação: envolve o acompanhamento, a revisão e a manutenção do sistema proposto.

Enquanto os modelos convencionais freqüentemente incluem estágios distintos de atividades de análise, design, desenvolvimento e avaliação, como mostra a Figura 1, assumimos que no design instrucional contextualizado essas operações acontecem recursivamente ao longo de todo o processo.

 


Figura 1 – Fases de desenvolvimento de design instrucional

A implementação (situação didática) não se dá separadamente da concepção (fases de análise, planejamento e produção), mas progride através de uma série de estágios e então espirala de volta e adicionando mais detalhes. Por essa razão, um modelo de design instrucional contextualizado seria mais bem representado pela figura de um fractal[i] do que por qualquer outra forma geométrica fechada (ver Figura 2).

Figura 2 – Expressão gráfica do modelo de desenvolvimento
de design instrucional contextualizado

Conforme WILLIS & WRIGHT (2000), nesse modelo, o foco é inicialmente difuso e se torna mais nítido e distinto à medida que a implementação da proposta evolui. Esse caráter recursivo e dinâmico é possibilitado pela seleção de ambientes tecnológicos de desenvolvimento que suportem os recursos de autoria, flexibilidade e acessibilidade.

Atuando como um sistema vivo e dinâmico, uma proposta de design instrucional contextualizado pode partir de uma estrutura matricial norteadora e do planejamento de situações didáticas que preveja saídas e possibilidades de abertura, de modo que os momentos de aprendizagem em sala de aula sejam contextualizados segundo a compreensão dos fenômenos educacionais locais.

 


3 - O DESIGN INSTRUCIONAL NO CONTEXTO DA SALA DE AULA

A terceira parte deste artigo descreve um estudo de caso, através do qual acompanhamos toda a concepção e implementação de uma proposta de design instrucional contextualizado em uma disciplina do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

A investigação foi desenvolvida em três fases distintas. A primeira, anterior à realização da disciplina, consistiu na elaboração da proposta de design instrucional contextualizado e na pré-programação do ambiente virtual utilizado (WebCT). Vale lembrar que a natureza híbrida da proposta de design instrucional contextualizado espelhava a oferta de conteúdos em ambos os ambientes, presencial e virtual.

A segunda fase, na qual se coletou a maior parte dos dados, envolveu a implementação da proposta, o acompanhamento das atividades presenciais e virtuais, reuniões com a docente responsável e a equipe de apoio, a preparação de materiais complementares e também intervenções na proposta de design instrucional contextualizado e no ambiente virtual formatado, com base na análise das avaliações ao final de cada unidade.

Na terceira e última fase, após a conclusão da disciplina, os registros foram retomados e analisados, em um processo de depuração das informações observadas e reconstrução da prática denominada reflexão-sobre-a-ação (SCHÖN apud ALMEIDA, 2000). Esse processo complementa a reflexão-na-ação, desenvolvida simultaneamente à ação instrucional na segunda fase desta pesquisa.

O processo de contextualização do design instrucional se deu a partir do Programa Oficial da Disciplina, traduzido em uma proposta inicial de atividades pré-especificadas, espelhadas na programação de um ambiente virtual, segundo uma agenda de liberação progressiva de atividades e recursos tecnológicos. O planejamento era visualizado pelos alunos através do Guia das Aulas, publicado e atualizado semanalmente a partir da observação das atividades implementadas, da participação dos alunos e da análise das avaliações formais e informais.

A Figura 3 representa os movimentos de contextualização na proposta de design instrucional:

 


Figura 3  – Movimentos de contextualização na proposta de design instrucional

Essa representação esquemática deveria capturar a essência do processo recursivo de contextualização, através do qual, com exceção do Programa Oficial da Disciplina, todos os outros elementos da proposta de design instrucional foram dinamicamente ajustados à medida que o grupo de alunos se encaminhava para a formação de uma comunidade de aprendizagem.

O ambiente WebCT funcionou como o protótipo do contexto didático imaginado, um repositório inicial dos objetivos e das bases de conhecimento fundamentais para a realização da disciplina, e foi sendo transformado paralelamente à ambientação tecnológica dos alunos e sua meta-reflexão sobre a proposta de DIC apresentada.

 

5 - IMPLICAÇÕES E PERSPECTIVAS

Este artigo reflete o resultado de um estudo sobre o uso do design instrucional como alternativa possível para responder à necessidade de iniciativas educacionais estruturadas que se beneficiem das metodologias, modelos e sistemáticas de planejamento, e também de toda a gama de tecnologias de informação e comunicação disponíveis.

Em nosso percurso investigativo, deparamo-nos com movimentos teórico-práticos que, tendo vencido a etapa da estruturação de conteúdos e estratégias de ensino e de tecnologização da aprendizagem, buscam mecanismos para a sua flexibilização e humanização. Para vários teóricos que citamos no decorrer deste artigo, dentro de um modelo bem estruturado de design instrucional, há muito espaço para o diálogo, a autonomia, a contextualização.

Essa combinação de conceitos compõe um belo quadro de potencialidades da educação moderna. Em uma situação específica de aprendizagem, que foi vivenciada por pessoas reais assumindo papéis concretos de alunos, docentes, pesquisadores ou apoiadores, com base em recursos e tecnologias disponíveis no mercado, dentro de um contexto universitário autêntico, esses conceitos foram cotejados a ponto de se verificar sua pertinência à realidade educacional.

As situações vividas com intensidade pelos agentes do processo educacional nos ajudaram a perceber a viabilidade prática do modelo fractal de design instrucional contextualizado. Se cada atividade, estratégia ou conteúdo selecionado contém em si mesmo a proposta integral do design instrucional, de preferência expressa em um suporte tecnológico inteligente e dinâmico, a contextualização se torna possível, porque as atividades podem ser substituídas, antecipadas, reorganizadas ou descartadas com base na concordância do grupo e no apoio técnico de um educador – seja ele um professor, um tutor, um monitor, um coach, um mentor, um mestre – sem prejuízo da espinha dorsal do curso.

Cada fase do design instrucional contextualizado, cada recurso tecnológico disponibilizado, cada situação didática relatada comportam numerosos desafios a serem desvendados e oportunidades renovadas de articulação teoria-prática-teoria. Nosso trabalho consistiu na possibilidade de compreender como um planejamento pode integrar os conceitos educacionais aqui apresentados, associado-as às questões de uso das tecnologias da comunicação e de informação no contexto social atual.

 


6 - BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconcini de (2000). “Informática e formação de professores”. In: Cadernos Informática para a mudança em educação. Brasília, Ministério da Educação/SEED.

CAMPOS, Fernanda C. A., ROCHA, Ana Regina C. & CAMPOS, Gilda H. B. (1998). Design instrucional e construtivismo: em busca de modelos para o desenvolvimento de software. IV Congresso RIBIE, Brasília.

JONASSEN, David (1998). "Designing constructivist learning environments". In: REIGELUTH, C. M. Instructional theories and models. 2nd. ed. Mahwah, NJ: Laurence, Erlbaum.

KENSKI, Vani Moreira (1998). “Novas tecnologias: o redimensionamento do espaço e do tempo e os impactos no trabalho docente”. In.: Revista Brasileira de Educação. Mai/Jun/Jul/Ago, 1998, n.º 8.

LEBOW, D. (1993). “Constructivist values for instructional systems design: five principles for a new mind-set.” In: Educational Technology Research and Development, 41 (13), 4-16.

LITTO, Fredric Michael (1997). “Um modelo para prioridades educacionais numa sociedade de informação”. In: Pátio – Revista Pedagógica, Ano I, n.3, p.15-21, Nov.97/jan98

NIKOLOVA, Iliana & COLLIS, Betty (1998). “Flexible learning and design of instruction”. In: British Journal of Educational Technology. vol. 29, n. 1, pp. 59-72.

TESSMER, Martin & RICHEY, Rita C. (1997). “The role of context in learning and instructional design”. In: Educational Technology Research and Development 45 (2): 85-115.

WILLIS, Jerry & WRIGHT, Kristen Egeland (2000). “A general set of procedures for constructivist instructional design: the new R2D2 model”. In: Education Technology. 40(2), 5-20.

WILSON, Brent G. (1995b). “Situated instructional design: blurring the distinctions between theory and practice, design and implementation, curriculum and instruction.” In: SIMONSON, M. (ed.), Proceedings of selected research and development presentations. Washington D. C.: Association for Educational Communications and Technology.



[i] Segundo o AURÉLIO (1999), fractal é uma “forma geométrica, de aspecto irregular ou fragmentado, que pode ser subdividida indefinidamente em partes, as quais, de certo modo, são cópias reduzidas do todo”.