Saberes docentes na educação a distância - análises e prospecções

Abril/2004

 

Alba Regina Battisti de Souza
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)
palbaregina@virtual.udesc.br
Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI)
alba@big.univali.br


Tema: Formação de Profissionais para Educação a Distância (TA)
Categoria: Educação Universitária (C3)

Resumo:
O presente estudo, baseado numa pesquisa de doutorado em andamento, tem como objetivo analisar os mecanismos e as estratégias utilizadas pelos professores na Educação a Distância (EaD) e construir referenciais didáticos para formação e prática docente. O professor que atua na EaD, ao ter que organizar atividades com alunos com os quais não tem um contato frente a frente, depara-se com várias indagações, levando-o a repensar seu papel e seus saberes. E num movimento característico da ação docente, desenvolve habilidades e estratégias para lidar com essa nova situação, denominadas nesse trabalho de MDEaD - Movimento Didático em Educação a Distância. Dentre as diversas contribuições teóricas para realizar essa pesquisa, destaca-se as de docência, através das áreas de Didática, Teorias e Fundamentos da Educação, articuladas a autores que discutem a Educação a Distância e a inserção das tecnologias digitais no processo ensino-aprendizagem. As análises dos dados têm demonstrado que o professor constrói suas próprias estratégias de ação docente em função das necessidades e urgências da prática, daí a importância dos projetos e cursos de formação docente em EaD considerarem essa experiência como ponto fundamental de reflexão e de redimensionamento, através de estudos e construção de alternativas mais participativas e compartilhadas.

Palavras-chave:
Movimento Didático em EaD; Saberes Docentes; Formação Docente.


1. INTRODUÇÃO

Os professores, de modo geral, têm vivido uma série de indagações quanto ao seu ofício, que de forma genérica abarcam aspectos do quê, como e para quê ensinar no contexto atual. Os que atuam na educação a distância também convivem com esses questionamentos – buscando, mesmo fisicamente distantes do aluno, proporcionar uma aprendizagem mais significativa, interativa e autônoma.

A educação a distância exige dos docentes saberes que extrapolam o processo didático com o qual estão habituados no ensino presencial. As novas formas de comunicação possibilitam a otimização das interações, em especial as viabilizadas pelas TCDs - Tecnologias de Comunicação Digital (CATAPAN, 2001), o que implica numa nova arquitetura e ambiência pedagógica e por conseqüência um novo paradigma de EaD cujas bases estão sendo construídas, num movimento ainda embrionário, mas já significativo.

Autores e pesquisadores da área da educação apontam como necessidades e possibilidades: processo ensino-aprendizagem mais globalizado e interdisciplinar (ZABALA, 2002), (SANTOMÉ, 1998); aprendizagem por competências (PERRENOUD, 2000, 2002); organização da ação docente a partir de projetos de trabalho (HERNÁNDEZ,1998); utilização das novas tecnologias como recursos pedagógicos (MORAN, 2001; PRETTO, 2001; KENSKI, 2003), entre outras propostas; aliadas à formação e atuação do professor como pesquisador reflexivo e crítico (NÓVOA, 1996; ANDRÉ, 2001; LÜDKE, 2001).

Na educação a distância, esses discursos pedagógicos estão presentes, acrescendo-se alguns princípios expressos nas produções da área, tais como: a aprendizagem colaborativa e cooperativa, promoção da autonomia e da interatividade, (LITWIN, 2001; PALLOFF e PRATT, 2002; ALAVA, 2002; KENSKI, 2003; MEDEIROS, 2003) entre outros aspectos.

Esses enunciados são amparados por um novo paradigma de conhecimento, opondo-se ao racionalismo técnico-linear, à fragmentação e à compartimentação, apontando para a dinamicidade e "inacabamento" do processo de ensinar e aprender, denotada numa perspectiva dialética e complexa e "exigindo" dos professores uma nova postura didática.

Dessa forma, os docentes que atuam na educação a distância estão diante de um grande desafio: aliar os novos recursos tecnológicos disponíveis a uma ação docente, pautada numa concepção pedagógica interativa, colaborativa e reflexiva, considerando as especificidades da modalidade.

 

2. OS CAMINHOS DA PESQUISA

A análise da prática docente na educação a distância, neste estudo, orienta-se metodologicamente através do estudo de caso e da análise de conteúdo. Tem como instrumentos para coleta de dados: entrevistas, questionários e observações, e como sujeitos, professores universitários.

A indagação central da pesquisa é: como os professores mobilizam e constroem saberes necessários às atividades docentes em EaD?
Não se nasce médico, advogado ou professor. A formação e atuação profissional são amparadas por aspectos teóricos, metodológicos e também por aspectos sócio-culturais. O ser humano (PETRÁGLIA, 1995) vive a construção de sua própria identidade, através da auto-organização, com dependências, mas também com relativa liberdade, o que supõe a capacidade de, a partir de necessidades e desejos, elaborar hipóteses, estratégias e metodologias para sua realização, pressupondo liberdade e autonomia, convivendo com dependência relativa ao mundo exterior, aos grupos e à sociedade. Dessa forma, a auto-organização pode ser considerada uma eco-organização, pois sua transformação extrapola o seu ser.

Compreender como se dá o processo de auto-organização, ou "eco-organização" do docente em EaD, é uma das preocupações desse estudo, traduzida no seu principal objetivo que é analisar o movimento didático em EaD (MDEaD) considerando saberes construídos e mobilizados pelos educadores, dado o contexto no qual atuam, desdobrado nas seguintes intenções:

É importante frisar que não se trata de apresentar pressupostos fechados, como modelos prontos e acabados, o que contrariaria os fundamentos do próprio trabalho, mas de desenvolver análises, construir princípios e referenciais que possam contribuir na formação docente tanto inicial como continuada.

 

3. DIMENSÃO TEÓRICA

[...] Quais são os saberes que servem de base ao ofício de professor, as competências e as habilidades que os professores mobilizam diariamente, nas salas de aula e nas escolas, a fim de realizar concretamente as suas diversas tarefas? Qual é a natureza desses saberes? [...] (TARDIF, 2002, p.9)

Essa questão que Tardif apresenta na introdução da obra "Saberes Docentes e Formação Profissional" é crucial para os pesquisadores que investigam o processo de construção dos saberes docentes. A partir daí, pode-se acrescentar a seguinte indagação: como, em meio a um contexto social contemporâneo extremamente complexo e a um meio pedagógico repleto de variáveis, o professor constrói as possibilidades de aprendizagem para seus alunos na educação a distância?

O autor em questão apresenta diversas alternativas, que podemos utilizar para refletir nossas questões sobre a docência em EaD, a saber:

Todo profissional, independentemente da área que atua, a partir do momento que assume a responsabilidade de organizar situações de ensino-aprendizagem, assume também uma responsabilidade pedagógica que está inserida num espaço no qual a dinamicidade, a complexidade e o inacabado estão sempre presentes. Atuar num espaço pedagógico exige conviver com um fenômeno – o educativo - em constante transformação.

Tal como os saberes específicos da área de atuação se modificam, os conhecimentos pedagógicos necessitam ser construídos e reconstruídos em função de um movimento sócio-histórico. Para além de um conjunto de pressupostos que o educador deve se apropriar e assumir como referência norteadora de sua prática, lidar com o cotidiano - envolto num quadro complexo e dinâmico - requer tomadas de decisões não menos complexas e dinâmicas.

Segundo Gómez (1998), o ensino está sempre a construir uma nova realidade, pois não está definitivamente criado. Pimenta (1997) afirma que construir uma identidade profissional é um processo contínuo. Cada educador, como ator e autor, confere à sua identidade docente elementos vinculados a seus valores, sua forma de situar-se no mundo, sua história de vida, representações, saberes, angústias e anseios, como também através de suas redes de relações.

Tardif (2002) afirma que o "saber docente" é composto por vários saberes, quais sejam:

No ensino presencial, as relações estabelecidas e o direcionamento do professor sobre o processo pedagógico é mais evidente, ou seja, as relações de poder são mais diretas e ele dispõe de mecanismos de organização e controle já conhecidos, experienciados. Ao se deparar como educador na EaD, esses mecanismos não funcionam da mesma forma: o olhar repreensivo ou mesmo complacente e compreensivo, o gesto brusco ou delicado e o acompanhamento, in loco, do desempenho do aluno, representam algumas atitudes que têm de ser reorganizadas e transformadas.

Para Tardif (2002), considerar o contexto do saber docente é fundamental, afirmando ser impossível compreendê-lo fora do âmbito dos ofícios e profissões, sem relacioná-lo com os condicionantes do trabalho. Para o autor, o saber não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos professores está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a sua experiência de vida, com a sua história profissional e com as suas relações com os alunos e seus pares.

Nota-se, nas observações do referido autor alguns elementos que merecem destaque: a importância do engajamento do educador nos processos de mudança; o compromisso com o contexto no qual o educando está inserido; incentivo a grupos impulsionadores e a intercâmbios docentes; respeito às contradições e reflexão crítica contínua.

Schön (2000) afirma que o profissionalismo na docência implica uma referência à organização do trabalho dentro do sistema educativo e à dinâmica externa do mercado de trabalho. Ser um profissional, portanto, exige o domínio de uma série de capacidades e habilidades especializadas, que o faz ser competente em um determinado trabalho, além de agregá-lo a um grupo organizado e sujeito a controle.

Segundo Batista (2001), a formação é intencional, operando tanto nas dimensões subjetivas (caráter, mentalidade) como nas dimensões intersubjetivas (conhecimento profissional). Assim, não se trata de algo relativo a apenas uma etapa ou fase do desenvolvimento humano, mas sim de algo que percorre, atravessa e constitui a história dos homens como seres sociais, políticos e culturais.

Além disso, é importante considerar a dinamicidade do conhecimento em várias esferas. Na área pedagógica, não é diferente, o que implica reconhecer a complexidade do pensar e agir docente. Daí a ênfase na participação ativa do educador na busca contínua e reflexiva de reconstrução da teoria e da prática.

Para Morin (2000), o inesperado surpreende-nos, pois nos instalamos de maneira segura em nossas teorias e idéias, e estas não têm estrutura para acolher o novo que brota sem parar sem podermos jamais prever como se apresentará, mas deve se esperar sua chegada, ou seja, esperar o inesperado. E quando esse inesperado se manifesta, é preciso que sejamos capazes de rever nossas teorias e idéias.

 

4. ANÁLISES PRÉVIAS

As análises prévias desse estudo, diante de dados que estão sendo analisados, levam a algumas reflexões elementares quanto a atuação docente na EaD:

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS


Mesmo a educação a distância não sendo uma modalidade nova de ensino, como área de pesquisa é recente, principalmente no Brasil – o que vem acontecendo a partir da década de noventa. Para continuar esse processo, faz-se necessário aprofundar uma série de fatores históricos, administrativos, políticos, financeiros e pedagógicos.

Os projetos e programas de EaD, em andamento na atualidade, possuem organizações e estruturas variadas, desde a sua natureza, às finalidades, ao público alvo, e às mídias utilizadas.

É fundamental pensar a participação e interação do docente junto ao projeto matriz de EaD, com uma previsão e organização prévia, possibilitando "encontros" e "espaços" para compartilhamentos, estudos e troca de idéias entre seus pares, pois, ao mesmo tempo em que se almeja criar comunidade virtuais de aprendizagem, deve-se também pensar em comunidades virtuais de docentes em EaD.

Espera-se, a partir do relato exposto, poder contribuir para o desenvolvimento de projetos de educação à distância que reconheçam a formação e a participação do educador como imprescindíveis na construção de propostas pautadas na qualidade – o que necessariamente passa por uma atuação docente, subsidiada teórica e metodologicamente.

 

 


Obs: a pesquisa em questão vincula-se ao Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e está sendo orientada pelo Prof. Dr. Ariovaldo Bolzan e Co-orientada pela Prof. Dra Araci Hack Catapan.


REFERÊNCIAS

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BATISTA, Sylvia H. S. Formação. IN: FAZENDA, Ivani. Interdisciplinaridade: dicionário em construção. São Paulo: Cortez, 2001.

CATAPAN, Araci Hack. Tertium: o novo modo do ser, do saber e do apreender - construindo uma taxionomia para a mediação pedagógica em tecnologia de comunicação digital. Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção. Florianópolis: UFSC, 2001.

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GÓMEZ, Angel Pérez. O pensamento prático do professor: a formação do professor como profissional reflexivo. IN: NÓVOA, António (org.). Os professores e a sua formação. Dom Quixote: Lisboa, 1997. p.93-114.

KENSKI, Vani Moreira. Tecnologias e ensino presencial e a distância. São Paulo: Papirus, 2003.

LITWIN, Edith. Educação a distância: temas para o debate de uma nova agenda educativa. Porto Alegre: Artmed, 2001.

MORAN, José Manuel; MASETTO Marcos T; BEHRENS, M. Aparecida. Novas tecnologias e mediação pedagógica. São Paulo: Papirus, 2000. p.133-173.

MEDEIROS, Marilú e FARIA, Eliane Turk (orgs). Educação a distância: cartografias pulsantes em movimento. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.

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