INSTITUCIONALIZAÇÃO DO ENSINO MEDIADO POR TECNOLOGIA NA FGV-EAESP

 

Paulo Góes
Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas
FGV-EAESP – pgoes@fgvsp.br

Marta de Campos Maia
Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas
FGV-EAESP – mmaia@fgvsp.br

 

TC - A2

Resumo
A utilização do Ensino Mediado por Tecnologia na FGV-EAESP manteve-se por muitos anos, a despeito dos sucessivos investimentos em tecnologia, num estágio incipiente e experimental, contrariando a expectativa da direção de utilizar amplamente a EMT para modernizar a entrega de conteúdo educacional nos cursos presenciais da Escola. Após sucessivos insucessos com a implantação de diferentes Sistemas de Gerenciamento de Aprendizado (Learning Management Systems), uma série de entrevistas com professores envolvidos com (ou potenciais candidatos a) a utilização destes sistemas revelou que as dificuldades de adoção se prendiam mais a deficiências infraestruturais e a posturas comportamentais do que propriamente a qualidades intrínsecas dos sistemas adotados. O presente trabalho visa a apresentar, na forma de um estudo de caso, como a utilização concomitante de dois modelos – para assimilação de tecnologia e administração da mudança – permitiu uma melhor compreensão dos mecanismos que dificultavam a adoção do EMT e subsidiou o projeto de um conjunto de ações corretivas e mobilizadoras que resultaram num crescimento explosivo da utilização do EMT em diferentes níveis pela Escola.

Palavras Chave:
Ensino Mediado por Tecnologia; Mudança Organizacional; Implantação de Tecnologia.

 


1.      Introdução

Muito embora as organizações de maior porte – educacionais ou não – percebam que a aplicação da tecnologia ao ensino/treinamento pode contribuir decisivamente para a consecução de seus objetivos estratégicos, e decidam investir na implementação de um ambiente de ensino a distância, o retorno deste investimento é muitas vezes moroso e decepcionante e a aplicação desta tecnologia fica freqüentemente restrita a alguns projetos ou nichos organizacionais.

Sendo o ensino a principal atividade-fim da FGV-EAESP, é natural que uma percepção precoce das oportunidades e desafios representados pelo surgimento de uma nova tecnologia com significativo impacto potencial sobre o seu negócio levasse a decisões estratégicas de experimentação e implantação desta tecnologia. Em 1995 a EAESP inaugurava o Centro FGV-PETROBRÁS de Educação a Distância, com uma sofisticada infraestrutura de vídeo-conferência, e em 1999 estabelecia o GVnet como área de negócio para exploração desta tecnologia em cursos de extensão semi-presenciais. Além da vídeo-conferência, os cursos do GVnet utilizavam também as tecnologias de Computer Based Training (CBT) para disponibilizar o conteúdo das disciplinas em CD-ROM, e a Internet, através de um Sistema de Gerenciamento do Aprendizado (SGA), para interação e comunicação com os alunos e também para entrega de conteúdos e testes a distância.

Em 2001 a EAESP já havia conduzido experimentos e cursos reais com dois SGA (LearningSpace e Universite), preparava-se para adotar um terceiro (WebCT) e iniciar um projeto conjunto de desenvolvimento de um SGA com uma software-house (SIEAD). Já se havia percorrido um bom caminho na curva de aprendizado do EMT, e o novo desafio que se apresentava era a disseminação desta tecnologia em apoio ao ensino presencial tradicionalmente praticado pela Escola. O Centro de Desenvolvimento do Ensino e Aprendizagem (CEDEA) da EAESP concebeu e coordenou, com apoio do Departamento de Tecnologia Aplicada (DTA), o projeto Pioneiros, com o objetivo de financiar e coordenar a experimentação de professores da Escola no desenvolvimento de disciplinas apoiadas em tecnologia.

Não obstante os bons resultados do projeto Pioneiros e da utilização efetiva do SGA (WebCT) em algumas disciplinas presenciais isoladas, no início de 2003 a FGV-EAESP preparava-se para uma nova mudança de SGA e desenvolvia algumas ferramentas próprias para utilização da Internet para entrega de conteúdo de disciplinas. A percepção geral era que, embora os professores percebessem as oportunidades de uso do SGA para enriquecimento de suas disciplinas – como se tornou evidente no ciclo de debates “Repensando a Graduação” promovido naquele ano –, as deficiências das ferramentas adotadas comprometiam uma adoção mais ampla do EMT pelo corpo docente.

A equipe formada para implantação do novo SGA (Blackboard) decidiu investigar as razões para rejeição do WebCT, uma vez que este sistema era – e ainda é – utilizado com sucesso por muitas instituições de ensino com características semelhantes à FGV-EAESP, e realizou uma série de entrevistas com professores, chegando à conclusão de que não tanto as características da ferramenta, mas uma certa postura conservadora e resistente do corpo docente, acirrada por deficiências infraestruturais que dificultavam sua utilização, eram as principais razões para a baixa adoção da tecnologia.

O problema a ser solucionado antes da implantação do novo SGA, e que orienta este estudo de caso, foi assim enunciado: “Como abordar as dificuldades comportamentais e prevenir as deficiências de implantação de forma a maximizar a adoção do EMT nos cursos presenciais de uma Instituição de Ensino Superior (IES) tradicional, minimizando os riscos do projeto?”

O objetivo deste trabalho é apresentar uma experiência bem sucedida na aplicação concomitante de dois modelos – para assimilação de tecnologia e administração da mudança – que permitiram à Divisão de Tecnologia Aplicada (DTA) da FGV-EAESP obter uma melhor compreensão dos mecanismos que comprometiam a adoção da tecnologia pelos professores e embasaram o projeto de ações mobilizadoras e corretivas que resultaram num formidável crescimento e disseminação da utilização do EMT nos cursos presenciais.

 

2.      Um Modelo para Assimilação de Tecnologia

Em sua análise sobre o processo de integração das ilhas de tecnologia nas empresas, McKenney e McFarlan (1982, 1983) propõe um modelo para utilização de tecnologia nas empresas, subdividido em quatro fases de assimilação da tecnologia, que é muito útil para compreender a dinâmica desta assimilação e orientar o foco gerencial em cada fase, de maneira a evitar os riscos de estagnação e retrocesso, também contemplados pelo modelo.

Estas quatro fases e os riscos de estagnação subjacentes são designados como: (a) Investimento ou Início do Projeto, com o risco de estagnação devido ao Gerenciamento Insuficiente; (b) Aprendizado e Adaptação da Tecnologia, com risco de estagnação devido ao Excesso de Foco na Implementação; (c) Controle Gerencial, com risco de estagnação devido ao Excesso de Normalização; e (d) Disseminação da Tecnologia.

A fase de Início do Projeto caracteriza-se pela decisão de investir numa nova tecnologia, em um ou mais projetos complementares. A ocorrência de algumas condições adversas, tais como suporte deficiente do fornecedor da tecnologia ou baixo envolvimento dos usuários, podem levar a um prolongamento indefinido desta fase, caracterizado pelo primeiro nível de estagnação, freqüentemente seguido pela decisão de desinvestir na tecnologia.

As causas mais freqüentes para esta estagnação são a falta da devida atenção gerencial, gerenciamento de projeto deficiente, imprevistos técnicos comprometedores, ou escolha do hardware inadequado. Devido à complexidade dos projetos de introdução de novas tecnologias, normalmente custa-se a perceber a ocorrência desta estagnação, e a falha do projeto não é evidente, mas é percebida como uma situação ambígua que demanda esforços crescentes da organização e produz benefícios desproporcionais ao seu custo. O abandono de uma nova tecnologia nesta fase costuma resultar num longo período moratório antes que novas tentativas de assimilação da tecnologia sejam empreendidas.

A fase de Aprendizado e Adaptação caracteriza-se pela exploração de potencialidades da nova tecnologia que transcendem a proposta inicial que justificou a decisão de investimento. Raramente a implementação de uma nova tecnologia adere fielmente aos planos originais, e a organização adquire muito aprendizado durante sua implementação. Nesta fase deve-se permitir o desenvolvimento e refinamento da compreensão dos usos da nova tecnologia, e o excesso de foco na implementação planejada pode tolher o desenvolvimento desta percepção, levando ao segundo nível de estagnação. Como os processos de assimilação de novas tecnologias raramente preenchem integralmente seus objetivos iniciais, a falha em descobrir novos usos para a tecnologia pode resultar numa percepção de que afinal o retorno da tecnologia é menor que o esperado, e frustrar o desenvolvimento de novas aplicações que poderiam finalmente compensar o investimento efetuado.

A fase de Controle Gerencial tipicamente envolve uma mudança na organização com a institucionalização do uso da nova tecnologia, e contempla a evolução contínua das aplicações já implementadas e o desenvolvimento de mecanismos de controle que orientem o projeto e implementação de novas aplicações da tecnologia, assegurando uma maior eficiência do processo. O excesso de controle e normalização pode vir a sufocar a implementação de novas aplicações e inviabilizar o alcance de objetivos mais amplos que eventualmente viriam a maximizar a assimilação e os resultados obtidos com a tecnologia. Este último nível de estagnação ocorre quando os controles implementados oneram excessivamente o processo e inviabilizam o surgimento proveitoso de novas aplicações da tecnologia, limitando e desencorajando o entusiasmo criativo dos usuários.

Não ocorrendo nenhum dos três níveis de estagnação anteriormente descritos, a assimilação da tecnologia evoluirá naturalmente para a quarta fase (Disseminação da Tecnologia), que corresponde ao domínio completo da tecnologia e à sua disseminação por outras áreas da organização. Esta fase é caracterizada pela maturidade do processo de assimilação da tecnologia e mudança do foco gerencial para a análise de tendências de longo prazo. A decisão de transferir a tecnologia para outros setores da organização freqüentemente demandará alguma adaptação, iniciando um novo ciclo de assimilação, desta vez respaldado pela experiência adquirida no primeiro ciclo.

 

3.      Administrando a Mudança Organizacional

As mudanças tecnológicas afetam a estabilidade do sistema social das organizações, e são legitimamente percebidas pelos indivíduos como uma ameaça ao status quo, gerando resistências que podem ser de ordem pessoal, emocional ou cultural (Meirelles, 1994), que se manifestam de maneira inconsciente, velada, ou explícita. A lógica científica dos técnicos responsáveis pela implantação de novas tecnologias baseia-se numa análise dos benefícios objetivos da mudança tecnológica, freqüentemente subestimando os impactos subjetivos da mudança sobre os indivíduos e suas repercussões sobre os riscos do projeto. A condução deliberada de um processo de mobilização-ação-fixação, descrito a seguir, pode contribuir significativamente para minimizar este aspecto de rejeição e facilitar a assimilação de uma nova tecnologia.

O modelo de Lewin posteriormente desenvolvido por Schein (1961), entende as mudanças como um processo social constituído por três fases: Mobilização (“unfreezing”); Ação (“moving”) e Fixação (“refreezing”). O pressuposto deste modelo é de que os indivíduos e os sistemas sociais em que eles se inserem, buscam estados de equilíbrio, e não almejam a mudança senão para restabelecer o equilíbrio perdido.

A fase de Mobilização visa a provocar nos sujeitos da mudança uma necessidade psicológica para empreender a mudança, A mobilização pode ser espontânea, quando o sistema encontra-se em estado de desequilíbrio, ou induzida, quando um agente de mudança deliberadamente provoca um desequilíbrio para introduzir uma mudança desejada no sistema.

A fase de Ação compreende a mudança propriamente dita. Para ocorrer a mudança, é necessário haver motivação e predisposição à mudança, mas geralmente isto não é suficiente (Schein, 1969). A lacuna entre a percepção da necessidade de mudança e a compreensão do que deve ser feito é preenchida na fase de ação através de dois mecanismos distintos: a identificação e a varredura (“scan”). Na identificação o sujeito da mudança adota a perspectiva de um outro indivíduo, que opera como um modelo para a ação. Na ausência de um tal modelo, o sujeito da mudança pode perscrutar o ambiente na busca de uma solução para seu desequilíbrio. Neste caso, cabe ao agente da mudança direcionar esta varredura segundo os objetivos da mudança que pretende consumar.

A Fixação consiste em assegurar que ao final da mudança o indivíduo não retorne rapidamente ao seu estado anterior, ao perceber a suspensão do estímulo para a mudança e ao constatar que seu ambiente não sofreu transformações compatíveis com seu novo estado. O segredo da fixação consiste em institucionalizar a mudança, através do reforço dos relacionamentos do indivíduo com outros sujeitos da mudança e da operacionalização dos novos comportamentos através da efetivação de mudanças concomitantes em seu ambiente.

 

4.      Metodologia de Pesquisa

Além do levantamento bibliográfico para a construção do referencial teórico (Malhotra, 1999) constituído pelos modelos estudados, a metodologia utilizada neste trabalho foi o estudo de caso – devido às questões básicas de pesquisa, ausência de controle dos eventos comportamentais e ênfase nos eventos contemporâneos (Yin, 2001). O estudo considerou e respeitou os vários aspectos, condições, recomendações, componentes e requisitos, definidos por vários autores, dentre eles Yin (2001).Um estudo de caso é um questionamento empírico que investiga um fenômeno contemporâneo com seus contextos de vida real, quando as fronteiras entre fenômeno e contexto não são claramente evidentes, e nos quais fontes múltiplas de evidência são usadas (Yin, 2001).

A aplicação da metodologia de estudo de caso baseou-se amplamente na experiência pessoal dos autores como participantes ativos na condução do processo de assimilação de tecnologia aqui relatado, e foi realizada por meio de uma série de entrevistas com técnicos e professores da instituição, utilizando um protocolo elaborado especificamente para este fim. Este protocolo considerou a necessidade de conhecer a organização e seus processos de integração.

 

5.      Apresentação do Caso

5.1      A Problemática da Introdução do EMT nos cursos presenciais

Uma instituição de ensino tradicional e bem-sucedida como a EAESP pode ser considerada como uma organização em equilíbrio homeostático. Os professores desenvolveram métodos de ensino validados pelo tempo, e construíram sólidas relações com seus pares e com o corpo discente que reforçam esta sensação de equilíbrio. Embora a grande maioria dos professores perceba que as novas tecnologias aplicadas ao ensino irão transformar radicalmente o ambiente acadêmico em futuro não muito distante, e reconheçam a necessidade de a Escola posicionar-se proativamente em relação a esta transformação, as entrevistas realizadas demonstraram que muitos relutam em inserir-se neste futuro e projetam, de maneira algo velada, que esta transformação deverá ocorrer numa outra escola, situada além do seu tempo de magistério.

A observação revelou também que esta contradição entre a racionalização da oportunidade de mudança e o conservadorismo na ação é mais freqüente entre os professores mais antigos, mais confortáveis com seu status acadêmico, menos expostos à tecnologia, e menos propensos a visualizar-se num futuro transformado. Infelizmente, para o sucesso do processo de mudança, estes mesmos professores são muitas vezes percebidos como modelos de comportamento pelos mais jovens, são formadores de opinião e mantenedores do status quo, exercendo involuntariamente uma liderança negativa que desfavorece o sucesso da mudança idealizada e racionalmente aceita como necessária.

Adicionalmente, as entrevistas revelaram que um tempo de resposta ruim, instabilidade do sistema, inexistência de uma estrutura adequada de apoio e baixo domínio do ambiente, foram fatores decisivos que levaram ao abandono do EMT, à rejeição do SGA e ao reforço do comportamento conservador entre os professores. A análise revelou que, diferentemente dos cursos a distância ou semi-presenciais, onde a infraestrutura tecnológica é um fator crítico de sucesso, os projetos de extensão do EMT aos cursos presenciais careciam do mesmo rigor técnico, treinamento e infraestrutura de apoio que favoreciam a sua adoção nas demais modalidades de ensino.

5.2      Descrição do Caso

A aplicação do modelo de assimilação de novas tecnologias, descrito anteriormente, conduziu à avaliação de que as aplicações do EMT em apoio aos cursos presenciais encontravam-se, em sua maioria, na primeira fase (investimento e início do projeto), e apenas algumas atingiam a segunda fase (aprendizado e adaptação), com fortes riscos de estagnação em ambos os casos. A estagnação no primeiro nível (gerenciamento insuficiente) já se podia observar claramente pelo sucessivo abandono dos SGA implantados e busca de novas soluções tecnológicas, sem que as reais causas para a sub-utilização dos sistemas fossem efetivamente determinadas. A sensação predominante, era de que as ferramentas demandavam muito trabalho e ofereciam um retorno duvidoso, outro sintoma típico da estagnação no primeiro nível. No caso do arrefecimento do comprometimento da Escola de Direito (EDESP) com a adoção extensiva do EMT em seu programa de educação continuada (GVlaw), os entrevistados citaram explicitamente a estrutura de hardware e rede deficiente como responsáveis pelo comprometimento da evolução do projeto.

Os usuários isolados que adentravam a segunda fase do processo, em sua maioria professores contemplados com a bolsa de pesquisa do projeto Pioneiros, conduziam livremente novos experimentos e adaptavam a tecnologia às suas necessidades, sem que no entanto este resultado fosse capitalizado pela área técnica, excessivamente voltada para os problemas de implantação de sucessivos SGA, caracterizando uma tendência de estagnação no segundo nível. A reflexão embasada pelo modelo permitiu à DTA traçar um plano de ação que integrava ações corretivas com a condução esclarecida do processo de assimilação, injetando no processo a energia necessária para combater os riscos de estagnação e acelerar sua evolução em direção à terceira fase, já preparando o terreno institucional para a deflagração da quarta e última fase do processo com a almejada disseminação do EMT por toda a Escola.

As ações corretivas para a estagnação no primeiro nível compreenderam o estabelecimento de uma infraestrutura (hardware e rede) adequada – patrocinada por um mega-projeto de educação a distância que acabou não se concretizando, mas que contribuiu enormemente para a consolidação do EMT na Escola –, e a capacitação da equipe, de forma a suprir as deficiências de suporte dos fornecedores.

Os problemas técnicos com a implantação do novo SGA foram rapidamente equacionados, com alguma ajuda do fornecedor, e o foco gerencial recaiu sobre a exploração das potencialidades da tecnologia (consolidando a entrada na segunda fase) e na criação de um arcabouço procedimental e normativo que favorecesse uma rápida passagem para a terceira fase. Algumas ferramentas complementares que estavam em desenvolvimento foram abandonadas em prol de uma melhor exploração dos recursos oferecidos pelo novo SGA, e os esforços de desenvolvimento foram redirecionados para a integração do SGA com os bancos de dados acadêmicos da FGV-EAESP, pavimentando o caminho para uma ampla institucionalização que viria a consumar o processo de assimilação tecnológica.

Concomitantemente, a aplicação do modelo de gerenciamento da mudança organizacional, anteriormente descrito, permitiu a compreensão do estado de equilíbrio sistêmico da EAESP, e determinou a necessidade de deflagrar um processo consistente de mobilização induzida para propiciar a mudança desejada. A mobilização induzida visa a promover um aumento da pressão pela mudança no indivíduo, de forma a desenvolver nele um estado de desequilíbrio e a necessidade da mudança. No caso da EAESP, este aumento da pressão desenvolveu-se em três frentes: (a) no reforço das ações institucionais, através do CEDEA, atuando como legítimo evangelizador da mudança; (b) no desenvolvimento de um projeto piloto de assimilação horizontal da tecnologia em todas as disciplinas de um curso, iniciado numa classe do curso de graduação em administração de empresas; (c) na aposta em um processo de contágio, onde todas as facilidades foram dadas ao maior número possível de professores interessados para utilização do EMT em suas disciplinas, esperando-se que os próprios alunos viessem a demandar dos demais professores o oferecimento das mesmas funcionalidades utilizadas por seus pares.

No plano da ação, segunda fase do modelo do processo de mudança, buscou-se fomentar o surgimento de modelos para alimentar o processo de identificação através do efeito de contágio acima descrito, onde, além do aumento da pressão mobilizadora por parte dos alunos, esperava-se o estabelecimento de casos de sucesso que servissem de paradigmas, e a conseqüente exposição de professores que se destacassem como modelos para ação a serem seguidos. Considerando que o processo de identificação tem alcance limitado e efeito menos perene, tomou-se um cuidado especial em demarcar o caminho do “como fazer”, para subsidiar o processo de varredura pelos professores. Para isso foi elaborada e está em constante aprimoramento uma metodologia prática de desenho instrucional (DI) que visa não apenas a elaboração de conteúdos adequados para aplicações de EMT, mas cobre também todos os aspectos de inserção deste conteúdo no SGA. Com o objetivo de disseminar a metodologia de DI e fomentar a assimilação do EMT, foi elaborado e está sendo periodicamente aplicado um seminário prático onde os professores podem experimentar as ferramentas, trabalhar o DI de seus conteúdos, e preparar uma disciplina para implantação imediata no SGA.

Ao observarmos os casos em que a adoção do EMT foi seguida de seu abandono, caracterizando um retorno ao estado anterior à mudança, os motivos desta regressão deveram-se sempre a uma implementação mal-sucedida, devida principalmente a uma infraestrutura deficiente, falta de domínio do ferramental e da metodologia de DI, e falta de uma infraestrutura de apoio adequada. Nossa análise revelou que alguns dos insucessos anteriores e rejeição da tecnologia, inclusive o descarte de alguns SGA anteriormente adotados, deveram-se mais a uma certa precariedade da infraestrutura tecnológica e outras inconsistências no plano de ação, do que a deficiências intrínsecas das ferramentas, como primeiramente se havia julgado. Com base neste diagnóstico, as ações corretivas para a fixação da mudança focalizaram o estabelecimento de uma infraestrutura compatível e a institucionalização do processo de utilização do EMT.

Para favorecer a fixação da mudança, a adoção de um novo SGA foi cercada de cuidados antes negligenciados, tais como a instalação de um conjunto de servidores poderosos e redundantes, capazes de atender à demanda com um bom tempo de resposta, instalados em um data-center com alta disponibilidade e largura de banda adequada e escalonável; o SGA foi exaustivamente estudado, analisado, configurado e adaptado às especificidades da FGV-EAESP; foi desenvolvido um portal para acesso ao SGA, contendo normas, procedimentos e tutoriais para utilização do ambiente instrucional; foi montada uma estrutura para atendimento aos professores, com atendimento em primeiro e segundo nível, profissionais treinados em procedimentos padronizados e monitorados, além de uma estrutura de apoio para a conversão de materiais (conteúdo) em um formato compatível para utilização no SGA; e foi facilitado o acesso dos professores aos especialistas de DI, com atendimento agendado e instalações adequadas.

É importante observar que uma mudança profunda e abrangente como esta – o objetivo é a utilização do EMT em todos os cursos presenciais – não se faz de uma vez só, mas é um processo mais ou menos contínuo, onde indivíduos são cooptados para a mudança, empreendem a ação, e necessitam de mecanismos de fixação, estando todos os processos constantemente em atividade para diferentes indivíduos em diferentes momentos do seu processo de mudança. Assim, o processo de mudança não deve ser visto como constituído por três fases subseqüentes, onde todos os indivíduos iniciam e terminam cada fase ao mesmo tempo, mas sim como um conjunto de processos concomitantes em que cada indivíduo adentra de acordo com suas necessidades e possibilidades, e progride através deles assincronamente em relação a outros indivíduos que estão em outras fases do processo. Desta forma, os diagnósticos e ações corretivas aqui descritos foram elaborados e estão sendo aplicados simultaneamente, e o continuarão o sendo até que a disseminação da tecnologia atinja o nível pretendido.

5.3      Resultados Alcançados

O quadro abaixo sintetiza a evolução de utilização do EMT na FGV-EAESP, a partir do primeiro semestre de 2001. As análises e ações descritas neste trabalho começaram a ser desenvolvidas no primeiro semestre de 2003, e seus resultados já se fazem notar nos dados relativos ao segundo semestre do mesmo ano. Pode-se observar que a utilização do EMT na FGV-EAESP evoluiu vegetativamente até o segundo semestre de 2003, quando o efeito das ações descritas neste caso propicia uma explosão de crescimento que veio a se confirmar como tendência já no início do primeiro semestre de 2004. Ao longo deste semestre espera-se a adesão de mais professores e a oferta de novas disciplinas em decorrência do efeito de contágio e da conclusão da segunda fase do projeto Pioneiros.

A diminuição observada, no primeiro semestre de 2002, do número de professores mobilizados para aplicação de EMT pelo projeto Pioneiros no ano anterior, parece confirmar a tese de que a mobilização não suportada por mecanismos de fixação tem efeito volátil, com retorno à situação de equilíbrio anterior à mudança. Estes dados referem-se apenas às disciplinas ativas (efetivamente utilizadas no semestre letivo), e não incluem os quantitativos referentes aos cursos do Gvnet, uma vez que este utilizava, até o início do corrente ano letivo, um ambiente de EMT próprio, e sua adoção obrigatória, devido à própria natureza dos cursos (semi-presenciais), desvirtuaria a amostra. Por razão semelhante, qual seja, a adoção obrigatória pelo corpo docente (descontinuada no semestre seguinte), dos dados do segundo semestre de 2002 foram expurgados os números referentes às disciplinas da EDESP/GVlaw.

Quadro 1 – Evolução da utilização do EMT na FGV-EAESP

Período

Disciplinas

Alunos

Observações

1o sem. 2001

11

250

11 professores do projeto Pioneiros

2o sem. 2001

13

295

11 professores do projeto Pioneiros e 2 voluntários

1o sem. 2002

22

465

5 professores do projeto Pioneiros e 9 voluntários

2o sem. 2002

23

425

Estes totais excluem 15 disciplinas e 367 alunos da EDESP/GVlaw

1o sem. 2003

7

147

A descontinuidade no crescimento vegetativo é devida à mudança do SGA e à não migração das disciplinas do SGA anterior para o novo ambiente

2o sem. 2003

79

1222

Crescimento explosivo da utilização atribuída às ações delineadas neste trabalho. A quantidade de alunos não cresce na mesma proporção uma vez que estima-se em 2,5 a média de alunos que cursam mais de uma disciplina com utilização de EMT

1o sem. 2004

128

1514

Números preliminares

Para além dos dados quantitativos, as entrevistas e o contato pessoal dos autores deste trabalho com os professores e técnicos da FGV-EAESP ao longo da implantação das ações aqui descritas, corroboram a avaliação positiva dos resultados alcançados, que se evidencia na predominância de uma atitude entusiasmada e confiante em relação aos benefícios do EMT e na predisposição para a adoção da tecnologia num número crescente de disciplinas. Similarmente, os contatos com os coordenadores e secretarias de cursos demonstram um interesse crescente pela implantação da tecnologia de maneira horizontal em seus departamentos, configurando um prognóstico positivo para a completa assimilação da tecnologia na Escola em futuro próximo.

 

6.      Conclusão

A implantação de EMT em instituições de ensino superior é uma tarefa de grandes proporções, que requer a mobilização de recursos substanciais de investimento e considerável esforço organizacional. Inúmeros trabalhos descrevem metodologias mais ou menos comprovadas para estruturação e desenvolvimento do projeto, e abordam os riscos e armadilhas de uma tal empreitada.

O presente trabalho objetiva apresentar uma visão complementar a estas metodologias ao relatar uma experiência de aplicação de dois modelos relativamente simples de assimilação de tecnologia e mudança organizacional para alavancar o desenvolvimento de um projeto de implantação de EMT que já apresentava sinais de estagnação, não incomuns em projetos desta natureza.

Os autores consideram que os resultados obtidos no caso relatado confirmam a pertinência desta abordagem, e apontam para investigações subseqüentes e aprofundamento de algumas hipóteses formuladas que ainda carecem de uma investigação mais sistemática para sua generalização.

Entre os aspectos não abordados neste estudo, cabe destacar a abstração do corpo discente do campo das reflexões e ações empreendidas (embora contatos informais confirmassem a teoria aplicada), devido às dificuldades dos autores de acessar este enorme contingente de maneira satisfatória. Estudos de avaliação qualitativa do impacto da adoção do EMT em apoio ao ensino presencial que estão sendo iniciados no âmbito do CEDEA e da DTA deverão ser futuramente incorporados à análise e poderão apontar novos caminhos para gerenciamento da mudança nesta esfera.

Finalmente, a completa assimilação do EMT em nível departamental e posteriormente institucional, prevista para iniciar-se ainda neste ano letivo, e a experiência das novas escolas com a adoção horizontal da tecnologia, deverão ser monitoradas e futuramente incorporadas a este estudo de maneira conclusiva.

Não obstante este estudo de caso ter sido circunscrito ao âmbito de uma instituição de ensino superior, os conceitos aqui apresentados e a bibliografia estudada não restringem a sua aplicação a este ambiente, uma vez que as oportunidades de aplicação do EMT em grandes organizações para consecução de seus objetivos estratégicos é um tema de crescente interesse também no ambiente corporativo.

 


7.      Referência Bibliográfica

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