A OBSERVAÇÃO ASTRONÔMICA E O ENSINO À DISTÂNCIA: UMA EXPERIÊNCIA NO ENSINO FUNDAMENTAL
Pesquisador
da Escola do Futuro da USP
Marcela
Elena Fejes
Pesquisadora
da Escola do Futuro da USP
Coordenadora
do Laboratório de Ensino de Ciências e Tecnologia
marcela@futuro.usp.br
Ana Maria Pereira dos Santos
Pesquisadora
da Escola do Futuro da USP
ana@futuro.usp.br
A
utilização de novas tecnologias de comunicação proporciona novas possibilidades
de dinamização do processo de ensino-aprendizagem. Uma ferramenta como a sala
de bate papo abre novas possibilidades de interação entre aluno e professor
para realização de diversos estudos. O uso desta ferramenta propiciou o
planejamento e a execução de uma atividade de observação do eclipse lunar
coletiva, superando a impossibilidade da permanência dos alunos na escola para
acompanhar o eclipse lunar. Para esta
atividade foi utilizada uma sala de bate papo, interagindo professor e alunos
localizados em diversas localidades. Através dessa ferramenta, professor e
aluno puderam realizar comparações em tempo real, levantar hipóteses e
construir novos conhecimentos sobre o objeto de estudo utilizando a transmissão
de dados escritos e fotográficos.
Palavras chave: educação à distância,
ensino de astronomia, novas tecnologias
1.
INTRODUÇÃO
A educação à distância (EAD) já foi
definida como uma proposta organizada do processo ensino - aprendizagem, onde
estudantes de diversas idades e antecedentes, estudam em grupos ou
individualmente, em casa, locais de trabalho ou qualquer outro ambiente, usando
materiais auto-instrutivos, produzidos em um centro docente, distribuídos por
diversos meios de comunicação (Bordenave,1986 apud: Oliveira e Silva,
1998). Hoje a EAD possibilita não só um estudo à distância, mas uma interação
ativa entre professor-aluno mediada por ferramentas de comunicação, como a
Internet. Desta forma elaboram-se cursos, atividades e outros onde aluno e
professor conversam em tempo real, trocam textos, imagens e comentários não só
de maneira unidirecional, como acontecia anteriormente, mas permitindo que
todos os envolvidos tenham acesso e participem.
A incorporação das novas tecnologias de comunicação no processo de ensino-aprendizagem tem permitido o rompimento de barreiras antes intransponíveis, como observar e comunicar em tempo real um mesmo fenômeno em locais diferentes, permitindo uma dinamização nos modos de ensinar e aprender, na interação entre o aprendiz e o professor, e entre ambos e o conteúdo. (Hoffman e Mackin, 1996 apud: Oliveira e Silva, 1998).
A EAD, dentro desta perspectiva, tem possibilitado que pessoas dispersas geograficamente tenham acesso a diversas modalidades de ensino de forma conveniente e confortável, e ainda, assumindo um papel ativo, tornando mais próximo o processo de ensino-aprendizagem.
A distância física não torna este tipo de educação deficiente em relação à tradicional, já que ela, calcada nas novas tecnologias de comunicação, permite uma efetiva comunicação entre professor-aluno, como nos casos em que se utiliza ferramentas de comunicação em tempo real multidirecional, ou seja, com um nível de interatividade alto, onde o meio é enviado de todo local para todo local. Neste caso, emergente de uma terceira geração de EAD, é possível o uso síncrono e assíncrono do meio telemático, como a Internet.
O ensino de Astronomia, em especial no
Brasil, é alicerçado no livro didático, visto que a grande maioria dos professores
de ensino fundamental e médio não possuem formação adequada para o ensino desta
temática (Kantor, 2001; Bisch, 1998; Leite, 2002; Nascimento e Hamburger,1994).
Em função desta deficiência, as aulas de astronomia são estritamente teóricas,
com foco em imagens divulgadas em livros. A observação de fenômenos
astronômicos é dificilmente realizada nas aulas de ensino fundamental, já que
além das limitações apresentadas acima, muitos fenômenos ocorrem à noite, como
chuva de meteoros, trânsito de planetas, eclipses lunares, etc.
2. UMA EXPERIÊNCIA ENVOLVENDO ENSINO DE ASTRONOMIA E
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Tendo como
foco vencer o desafio de ensinar astronomia de maneira atraente e ao mesmo
tempo significativa, foi elaborada, em função da ocorrência de um eclipse lunar
total no dia 15 de maio de 2003, uma atividade de observação noturna
utilizando-se ferramentas de comunicação à distância. As ferramentas de
comunicação à distância permitem um grande avanço para o estudo de Astronomia,
já que possibilitam a troca de informações em tempo real sem a presença física
dos envolvidos, propiciando de maneira efetiva a observação coletiva de
fenômenos celestes.
O objetivo desta atividade foi acompanhar as observações do eclipse lunar com um grupo de alunos de ensino fundamental de uma escola particular, localizada no município de Santo André, estado de São Paulo. Os alunos deveriam observar o fenômeno de suas casas, e compartilhar esta experiência em tempo real, via Internet, através de uma sala de bate papo.
2.1. Um pouco sobre eclipses lunares
Eclipses acontecem quando um corpo passa pela sombra de outro. Assim, quando a Lua passa pela sombra da Terra, ocorre o eclipse lunar.
De acordo com a escala de Danjon, durante o período de eclipse a Lua segue uma escala de cores pré-determinada. Essa escala ocorre quando a Terra passa exatamente no centro do sistema Sol – Terra – Lua. O eclipse lunar sugerido para observação no dia 15 de maio de 2003 não seguiu exatamente essa escala pré-definida, pois a Terra não passou pelo centro desse sistema, conforme é ilustrado na figura 1.
Figura1.
Passagem da Terra pelo Sol fora da linha da eclíptica vista da Lua.
As cores refletidas pela Lua e os horários divulgados pela Nasa em relação aos fenômenos umbra e penumbra se tornaram os principais objetos de estudo propostos pelo professor. Entretanto, as questões geradas não se limitaram apenas a única região geográfica. Seria necessário verificar as diferentes cores que a Lua iria proporcionar em diversos pontos de observação e os horários exatos em diferentes longitudes, associado a uma rápida troca de dados entre os observadores. Essas informações deveriam estar a disposição de todos em tempo real para que novas sugestões pudessem enriquecer as observações.
2.2. Participantes envolvidos na atividade
Os participantes foram 25 alunos de 8a série do Ensino Fundamental, de uma escola da rede particular de ensino e um professor. A escola é localizada no município de Santo André – SP, e os alunos provém dos municípios de Santo André, São Caetano do Sul e São Bernardo do Campo, estado de São Paulo. O professor estava localizado, na hora do evento, no município de Praia Grande – SP.
2.3. O planejamento da atividade
A atividade foi planejada de forma a contemplar os conteúdos teóricos e a observação real do eclipse.
Os conteúdos teóricos foram ministrados antes da ocorrência do fenômeno, através de duas aulas expositivas sobre mecânica celeste direcionada para o evento eclipse lunar abordando ainda assuntos como cartografia lunar, estudo espectral, observação noturna, recursos de observação e registro de dados. O conteúdo teórico destas aulas está disponível na Internet, no endereço http://darwin.futuro.usp.br/sky/obseclipse.htm.
Para a observação real do eclipse foi programado a
utilização de uma sala de bate papo aberta, onde os participantes deveriam
estar presentes a partir de um determinado horário. Os alunos que não possuíam
computador ou internet em suas residências, apesar de serem alunos da rede
particular, pernoitaram na residência de seus colegas. Alguns alunos dispunham
de lunetas, câmeras VHS e gravadores, enquanto outros contaram apenas com a
observação a olho nu. Mas todos tinham em mãos uma ficha para colorir e anotar
as diferentes fases do eclipse (anexo 1). O professor estava equipado com uma
luneta, um telescópio, uma câmera VHS, uma câmera fotográfica digital e
conectado à sala de bate papo.
2.4. A observação do evento
No início do evento os 25 alunos já estavam presentes na
sala de bate papo pré-estabelecida, onde todos permaneceram on line até
a sua finalização. Num primeiro momento, cada aluno relatou a condição
climática do local em que estava e o que dispunha para registrar o eclipse.
Depois foi solicitado para os alunos identificarem os nomes das crateras,
planícies e mares da Lua através de um mapa que receberam previamente na sala
de aula e a anotarem as condições visuais da Lua em relação ao eclipse.
Com a entrada da Lua na penumbra, alguns alunos puderam
sentir que a luminosidade refletida diminuiu. Para os alunos que não perceberam
essa diferença, foi sugerido apagar a luz do quarto e diminuir o brilho do
monitor do computador.
Durante o evento, em alguns locais houve limitação da observação devido à grande presença de nuvens. A utilização da ferramenta de comunicação à distância permitiu resolver este problema, de forma que os alunos puderam acompanhar o fenômeno através de fotos enviadas pelo professor, conforme figura abaixo (figura 2).
O momento mais crítico da observação foi quando a Lua estava próxima do zênite (momento em que o astro se localiza na parte mais alto do céu). Neste momento a Lua possui a menor capacidade de reflexão da luz, tornando assim um momento difícil para filmagem e registro fotográfico. Além dessas dificuldades, muitos alunos tiveram que sair de suas residências para realizar a observação da Lua, uma vez que esse astro estava sobre suas residências.
2.5. Avaliação da atividade
O acompanhamento do eclipse, associado à utilização de
ferramentas de comunicação à distância multidirecional, foi algo marcante na
vida dos alunos. Mesmo com a utilização de diferentes meios de registro, a
forma como a observação coletiva foi realizada atendeu plenamente as
expectativas e interesses do grupo.
Pessoas estranhas ao grupo também
interviram no intercâmbio de informações, devido ao fato da sala de bate papo
ser aberta. Entretanto, este fato permitiu que pessoas que desconheciam o
evento participassem da observação, como o caso de uma garota de origem
portuguesa, residente em Kearny (New Jersey, USA) que contribuiu ativamente no
evento. Localizada num fuso horário diferente (uma hora a menos de São Paulo),
a garota relatava o eclipse do hemisfério norte e os alunos puderam realizar as
comparações.
No retorno a sala de aula os alunos
relataram continuamente a experiência, propondo algo similar, a ser realizado
durante o próximo período de férias. Esta proposta permite que haja comunicação
entre aluno-professor mesmo no período não letivo.
O professor considerou a experiência
muito enriquecedora, e no caso de uma repetição, será necessário a presença de
um auxiliar que compartilhe as multitarefas que essa atividade exige, como
registro fotográfico, filmagem, coordenar o bate papo, responder às dúvidas dos
alunos, troca de informações, envio de arquivos, entre outros.
3. CONCLUSÃO
A experiência aqui vivida demonstrou que a EAD propicia a
superação de diversas limitações do processo de ensino-aprendizagem fora da
sala de aula e possibilita várias vantagens.
A utilização de ferramentas de comunicação à distância
permitiu que houvesse uma observação coletiva em tempo real que superasse os
problemas de uma observação coletiva tradicional: observação de locais diferentes,
superação de condições climáticas desfavoráveis e a realização de um evento
escolar fora do horário convencional.
A observação do evento utilizando uma sala de bate papo
permitiu que o professor intervisse na atividade, sugerindo situações problema,
esclarecendo dúvidas, corrigindo erros e apontando elementos de aulas teóricas
na atividade prática, tudo isso em tempo real.
A Astronomia não é a única ciência que pode usufruir desse
meio de ensino, mas todas aquelas que necessitam de trocas de informações
rápidas e questionáveis. Este trabalho é um convite para que os professores
explorem as ferramentas de comunicação à distância, como as salas de bate papo,
para tornar o ensino de ciências mais dinâmico e significativo.
4. BIBLIOGRAFIA
BISCH, M. Astronomia no Ensino Fundamental: Natureza e Conteúdo do
Conhecimento de Estudantes e Professores. São Paulo: FEUSP (Tese de
doutoramento), 1998.
BORDENAVE, Juan Días. “Pode a
Educação à Distância ajudar a resolver os problemas educacionais do Brasil?”
In: Tecnologia Educacional, 15(70): 34-39, 1986, apud: Oliveira E Silva, Cassandra Ribeiro De.
Bases pedagógicas e ergonômicas para concepção e avaliação de produtos
educacionais informatizados. Florianópolis: UFSC (dissertação de mestrado),
1998.
HOFFMAN, Jeff ; MACKIN, Denise. “Interactive Television Course Design:
Michael Moore's Learner Interaction Model, fron the classroom to Interactive
Television”. Paper apresentado no International Distance Learning
Conference(IDLCON), Waschington DC, March, 1996, apud: Oliveira E Silva, Cassandra Ribeiro De. Bases pedagógicas
e ergonômicas para concepção e avaliação de produtos educacionais
informatizados. Florianópolis: UFSC (dissertação de mestrado), 1998.
KANTOR, C. A. Ciência do Céu: uma proposta para
o ensino médio. Dissertação.
IF/FE USP: São Paulo, 2001.
LEITE, C. Os
professores de Ciências e suas formas de pensar astronomia. Dissertação. IF/FEUSP: São Paulo, 2002.
NASCIMENTO, S. S. HAMBURGER, E. W. Considerações sobre um curso de
extensão para professores de Ciências. In: Caderno Catarinense de Ensino de Física. Florianópolis. V.11, pp.
43-51, 1994.
Oliveira E Silva,
Cassandra Ribeiro De. Bases pedagógicas e ergonômicas para concepção e
avaliação de produtos educacionais informatizados. Florianópolis: UFSC
(dissertação de mestrado), 1998.
ESPENAK, Fred. <Http://Sunearth.Gsfc.Nasa.Gov/Eclipse/OH/Danjon.Html>,
Acesso em10/05/2003.
ANEXO 1
Local de observação:
_________________ Estado: ________ País: _________
Latitude:
_____________ Longitude: ___________ Escola: ________________
Condição
climática: _____________________________ Temperatura: _______
Preencha a tabela:
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Fase |
Dia |
Horário |
Coloração |
Observações
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P1 |
15/05 |
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U1 |
15/05 |
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M2 |
16/05 |
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M3 |
16/05 |
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U4 |
16/05 |
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P2 |
16/05 |
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Outras
observações pertinentes não apenas ao eclipse lunar, mas a atividade de
observação:
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