DIREITOS AUTORAIS NOS CURSOS A DISTÂNCIA VIA INTERNET


Pericles Varella Gomes, PhD.
Pontificia Universidade Catolica do Parana
pvgomes@ppgia.pucpr.br

Siomara Age Mendes
DTCOM
siomara_mendes@uol.com.br

(Texto original com imagens: clique aqui)


RESUMO

No planejamento e execucao de cursos a distancia via internet, um dos aspectos mais importantes e menos estudados sao as questoes relativas aos direitos autoriais das pessoas envolvidas no processo de criacao de cursos. O planejamento antecipado e um correto acompanhamento dos aspectos relativos a autoria em produtos educacionais digitais e' apresentado neste trabalho de pesquisa, realizado num periodo de tres anos consecutivos. A partir de um exemplo concreto de criacao e implementacao de curso a distancia na PUCPR, os autores analisam os aspectos legais de autoria de sistemas multimidia para EAD via Internet; apresentam aspectos e interpretacoes das leis atuais; abordam questoes de direito moral e financeiro; e finalmente sugerem uma sistematica de metodologia a ser utilizada em situacoes similares por profissionais e/ou instituicoes interessadas em desenvolver solucoes educacionais digitais.

Palavras-chave

direito autoral, curso on-line, educação a distância


1. INTRODUÇÃO

O advento do tratamento eletrônico das informações, a digitalização dos dados e o desenvolvimento das redes interativas de comunicação deu à informação um papel de destaque na sociedade e na economia atual. A sociedade e a economia tornam-se, cada vez mais, information-based (1).

Os níveis de evolução tecnológica da sociedade contemporânea colocam em discussão muitos institutos jurídicos, notadamente, aqueles relativos ao direito autoral e a propriedade intelectual.

A experiência demonstra que o instituto do direito de autor sempre foi obrigado a se adaptar as inovações tecnológicas, e agora precisar adaptar-se ao novo ambiente digital, pois na verdade “a história do direito reflecte o desenvolvimento da tecnologia”.(2)

Com a explosão da tecnologia digital e da informática, está-se diante de um novo marco histórico, tão significante quanto à invenção da imprensa. A tecnologia digital da informática tornou possível a Internet e, em decorrência, surgiu um meio de comunicação interativo em escala global, que permite combinar as utilidades da mídia tradicional (imprensa, audiovisual) e as facilidades da comunicação por telefone com as potencialidades do processamento de informação dos computadores. Como denominador comum surgiu o termo multimídia.(3). Para este, falta direito.

Nas palavras de PEREIRA multimídia significa que obras ou partes de obras criadas em diferentes meios, tais como imprensa, fotografia, audiovisual, gravações sonoras etc, são incorporadas num único meio novo, isto é, incorporadas em formato digital.(4)

Neste contexto onde coabitam os avanços da tecnologia digital, criações multimídia, direito autoral, acesso à informação, entre tantos outros, falta legislação específica. Existe a dificuldade de identificar os titulares dos direitos autorais das obras em formato digital – uma vez que, em sua maioria, são criações coletivas, pois o produto final multimídia é formado por várias obras, de autores diversos, criadas para um fim determinado ou já existentes.

Para se fazer a análise dos cursos on-line sob a ótica dos direitos autorais, parte-se do pressuposto que os mesmos são criações multimídias, utilizando-se como paradigma o Curso de Webdesign promovido pela PUCPR.

2. DIREITO AUTORAL E TECNOLOGIA DIGITAL

Atualmente fala-se muito de ciberespaço. Pode-se dizer que ciberespaço é o produto da convergência tecnológica da informática, das telecomunicações e do audiovisual, que é possibilitada pela linguagem binária da informática, ou seja, pela digitalização. A informática com a tecnologia digital representam o novo paradigma tecnológico a que o direito de autor deverá se adaptar. Tanto o sistema legislativo nacional como os sistemas de outros continentes demonstram que existe um grande defasamento entre as leis autorais e as novas possibilidades da tecnologia.

Atualmente as formas de criação e de autoria não são mais tão óbvias. A herança do modo de pensar da modernidade, fundada na idéia da individualidade formalizada do autor, assim como a concepção de que a obra ou a produção artística intelectual e artística é única, original íntegra e permanente, encontra muitas dificuldades e incongruências para a sua manifestação, uma vez que a própria atividade autoral passa por transformações que questionam o próprio conceito de autoria. Essas mudanças aparecem mais claramente no cinema, no hipertexto e nas redes de comunicação eletrônicas, nos quais as obras são o resultado do trabalho de grupo de criadores, escritores, produtores, artistas, músicos, fotógrafos, todos autores de um filme, de textos eletrônicos, de conexões entre discursos. (5)

Neste elenco de obras poder-se-ia incluir as obras ou criações multimídias. De acordo com PEREIRA criação multimídia é um tipo especial de criação intelectual que permite expressar idéias e sentimentos fazendo uso coordenado e simultâneo de textos, sons e imagens, organizados de tal forma que o público destinatário da obra possa interagir com ou sobre a mesma, obtendo dela diversos resultados, segundo sejam as ações que realiza em resposta às propostas da obra.(6)

As criações multimídias, no entanto, constituem uma outra espécie não prevista no catálogo de exemplos de obras, e que reclama acolhimento, como obra, no seio do direito do autor. De fato, o art. 7, da Lei n. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 - Lei de Direitos Autorais – LDA - não menciona o termo “obras multimídias”.

As obras multimídias são dotadas de características muito próprias. PEREIRA fez uma síntese das características típicas do multimídia, levando em conta sua composição estrutural, forma comunicativa e dinâmica funcional.(7) São elas:

a) Integração conjunta ou combinação de vários elementos comunicativos, como seja, texto, imagem, fixa ou animada, sem e outros dados;

b) Digitalização unitária desses elementos;

c) Interatividade do seu processamento mediante programas de computador.

Em suma, a criação multimídia é um sistema comunicativo, expresso unitariamente sob formato digital, composto por diversos elementos informativos (texto, sim, imagens fixas ou animadas, e/ou outros dados) que são integrados conjuntamente segundo uma determinada estrutura organizatória, possibilitando ao utilizador o seu processamento funcional interativo mediante programas de computador.

Utilizando a síntese elaborada por PEREIRA, tem-se a seguir uma abordagem dos cursos on-line sob a ótica de sua composição estrutural, forma comunicativa e dinâmica funcionais, a fim de demonstrar que os cursos on-line possuem características que lhe outorgam o direito de serem considerados obras multimídias.

Os cursos on-line, ao nível de sua composição estrutural, tal como qualquer produto multimídia - são compostos por diversos elementos, os quais podem constituir obras ou prestações protegidas pelo direito do autor. O conteúdo de um curso pode conter textos, músicas, filmes, fotografias, animações, entre outros, que podem ser obras preexistentes ou especialmente encomendadas, ou ainda já estarem em domínio público, isto é, livres das normas de direito autoral. Nos cursos on-line, esses elementos que formam o conteúdo estão organizados dentro de uma determinada estrutura que reflete os objetivos pedagógicos do curso.

Utiliza-se a denominação de desenho instrucional do curso para esta organização dos elementos com finalidades pedagógicas.

Para a produção de um curso on-line é necessária a atuação de profissionais de áreas diversas e a incorporação de outras obras, como já mencionado. Isto significa que os cursos on-line geram problemas de direito autoral desde a sua composição. Em geral, exigem a atuação de professores, técnicos em informática, webdesigners, programadores, pedagogos etc.

Outro elemento presente nas obras multimídias ocorre ao nível da forma comunicativa. A digitalização significa que o multimídia reveste-se de formato digital, ou seja, exprime-se através de um código binário representado por seqüências numéricas de zeros e uns. Vale isto por dizer que a inteligibilidade humana do multimídia pressupõe a sua mediação comunicativa por tecnologias informáticas, isto é, por computadores.

Finalmente, o elemento interatividade: conforme menciona GANDELMAN, o usuário de um produto multimídia pressiona uma chave de comando, toca na tela ou aciona um mouse, para obter os efeitos interativos que deseja a partir dos conteúdos previamente programados, tudo isto “costurado” por um software especial, “ferramenta” que forma uma verdadeira engenharia autoral(8).

Ao nível da dinâmica funcional, a interatividade significa que o multimídia permite ao utilizador, ao invés dos mass media tradicionais (imprensa, rádio, televisão), desempenhar um papel ativo – que não meramente passivo – no consumo de conteúdos informativos, através de sua personalização, gestão ou manipulação, mediante programas de computador.

Em outras palavras, a interatividade traduz a organização tipicamente dinâmica do multimídia, possibilitando ao utilizador o desempenho de funções ativas – e até criativas – através de programas de computador no processamento de conteúdos informativos, desde logo, pela autodeterminação do seu consumo.(9)

Os cursos on-line na maioria das vezes são gerados em “ambientes virtuais de aprendizagem”. Estes “ambientes” são sofisticados softwares, em geral, criados e desenvolvidos tanto por empresas de informática, como por universidades ou centros de pesquisa e propiciam aos usuários excelentes ferramentas e possibilidades de comunicação, interação e inserção de conteúdo.

Estes programas permitem, a inserção do material didático em páginas da Web, de textos, imagens, sons, animações, gráficos, etc. Muitos deles permitem a realização de vários tipos de testes, com tempo determinado ou não, com gabarito automático, fórum de debates, chat, correio eletrônico. etc. O EUREKA da PUCPR, o Learning Space, AulaNet, WebCT, entre tantos outros, são apenas alguns exemplos de programas da espécie tratada.

3. EDUCAÇÃO NA SOCIEDADE DIGITAL, NOVAS TECNOLOGIAS E EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Vive-se numa época em que as discussões em torno do impacto das transformações tecnológicas no contexto social são uma constante nos meios científicos, acadêmicos e nas organizações. A atenção principal volta-se para a necessidade de preparar o ser humano para os desafios desta realidade. As formas de conhecer, de aprender e de atuar no meio estão sofrendo drásticas transformações. Apesar das divergências quanto às vantagens e desvantagens produzidas pela tecnologia, existe uma questão que é indiscutível: a responsabilidade do processo educativo em preparar, ou pelo menos, auxiliar o ser humano a repensar a sua forma de se relacionar e de decodificar as informações nas suas relações com meio.

A sociedade de informação possibilitou, graças às novas tecnologias educacionais (10), o ressurgimento com força total de um modelo de educação, durante anos, relegado a segundo plano: a educação à distância. Segundo ensina LIMA, educação a distância, também chamada aprendizagem a distância, é uma metodologia de ensino-aprendizagem que tem procurado fazer uso de tecnologias disponíveis de educação para transmitir conhecimentos a distância.(11)

A educação a distância pressupõe o uso de algum tipo de mídia - estando os alunos e professores distantes uns dos outros, alguma tecnologia de comunicação é necessária para o contato. Segundo BELLONI, a educação é e sempre foi um processo complexo, que utiliza a mediação de algum tipo de meio de comunicação como complemento ou apoio à ação do professor em sua interação pessoal e direta com os estudantes(12).

A Internet, teleconferências, seminários on-line somente passaram a ser utilizados nos cursos à distância a distância, a partir da década de 90. Até então, os materiais dos cursos à distância restringiam-se ao material impresso, programas de áudio e vídeo, transmissões em TV, rádio educativas.

A Internet viabilizou o surgimento dos Ambientes Virtuais de Estudo (AVE). Neste ambiente a relação entre aluno e professor atinge um novo patamar baseado na troca de informação plena, possibilitando a criação de comunidades virtuais que interagem através de debates sincronizados e/ou assíncronos. Os Ambientes Virtuais de Estudo apesar de algumas diferenças de nomenclatura possuem seções comuns, que BARROS reuniu em quatro módulos: (13)

a) Módulo de Apresentação

b) Módulo de Domínio

c) Módulo de Convivência

d)Módulo de Controle

4. CURSO DE WEBDESIGN: UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA VIA INTERNET

O Curso de Webdesign é uma experiência da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, desenvolvida pela sua Coordenadoria de Educação a Distância. Realizou-se totalmente a distância no Ambiente Virtual de Estudo (AVE) denominado Eureka.

O Eureka é uma ferramenta que facilita e proporciona o ambiente de educação cooperativa a distância. A motivação para a implantação deste sistema está na disponibilização de cursos e respectivamente de seus conteúdos à qualquer momento, minimizando problemas como a falta de tempo, distância e recursos financeiros. Mudando o paradigma aluno-professor, o Eureka propõe o uso do ensino cooperativo, monitorado através de um tutor. Os alunos inscritos trocam informações entre si, gerando uma base de conhecimento, que permanece armazenada durante o período do curso.(14)

Com o objetivo de facilitar e promover a comunicação entre os participantes, além de fornecer ferramentas para o acompanhamento e a administração de cursos, o Eureka foi desenvolvido em módulos distintos.São eles: Info, Chat, Correio Interno, Conteúdo, Estatísticas, Fórum, Links, Participantes.

Os tutores e administradores dos cursos e do sistema têm à sua disposição uma série de outras ferramentas ou módulos que permitem a monitoração, administração do curso e do sistema, além daquelas disponíveis aos alunos.

O Eureka contém os módulos comuns aos Ambientes Virtuais de Estudo, definidos por BARROS, ou seja: módulo de domínio (inserção de conteúdo); módulo de apresentação (esclarecimentos gerais sobre o curso, a instituição, entre outras); módulo de convivência (ferramentas síncronas e assíncronas) e módulo de controle (acesso ao ambiente, senhas, etc).(15)

O Curso de Webdesign é um curso on-line, realizado totalmente a distância. Foi gerado dentro do ambiente Eureka, com base numa metodologia de aprendizagem colaborativa. O curso foi dividido em módulos semanais com turmas de, no máximo, 30 alunos. Teve como público alvo profissionais de criação e desenvolvimento de projetos para Internet e Intranet e tem como objetivo fornecer conhecimentos básicos sobre criação de páginas Web, abordando tópicos e ferramentas disponíveis do software Macromedia Dreamweaver.A metodologia de disponibilização de conteúdo na Web utilizada no Curso de Webdesign é baseada na proposta do grupo de pesquisas PACTO - Pesquisa em Aprendizagem Colaborativa com Tecnologias Educacionais - do Mestrado em Educação da PUCPR que tem como característica principal o “uso do computador como ferramenta para auxiliar a aprendizagem colaborativa, levando à produção do conhecimento significativo, crítico e transformador”.(16).

O curso de Webdesign foi o resultado do trabalho de uma equipe multidisciplinar, composta pelos seguintes agentes:

a) PUCPR – Pro-Reitoria de Pós Graduação e Extensão: A PUCPR através da Pro-Reitoria de Pós Graduação e Extensão atuou como entidade financiadora e incentivadora do projeto do Curso Webdesign. É também responsável pela certificação dos alunos aprovados.

b) CEAD – Coordenadoria de Educação a Distância da PUCPR: A CEAD foi o agente coordenador do Curso de Webdesign. Definiu estratégias, montou equipe de trabalho e dirigiu as atividades necessárias à produção e realização do curso.

c) LAMI – Laboratório de Mídias Interativas da PUCPR: O LAMI foi responsável pelo desenvolvimento dos aplicativos WBT (Web-Based Training) e CBT (Computer-Based Training), necessários para disponibilização do conteúdo do curso na Web e em CD-ROM. O Lami também desenvolveu o ambiente de aprendizagem colaborativa EUREKA, como resultado de um convênio de Cooperação Técnica e Científica entre a PUC e a Siemens - Divisão de Telecomunicações.

d) Equipe de desenvolvimento do CEAD – Coordenadoria de Educação a Distância: A CEAD montou uma equipe de profissionais de própria PUCPR, para trabalhar no formato do conteúdo do curso a ser disponibilizado na WEB. Esta equipe foi formada por um engenheiro de software, um programador, um webdesigner e um assessor pedagógico.

e) Fornecedor de conteúdo “Conteúdista”: Para escrever o conteúdo didático do curso foi contratado um professor especialista em Webdesign. Este profissional forneceu o material em formato de texto à equipe da CEAD que, por sua vez, efetuou as adaptações necessárias à apresentação do conteúdo na Web.

f) Equipe do PACTO: A equipe do grupo de pesquisas do Projeto Pacto prestou assessoria à equipe da CEAD quanto à metodologia de disponibilização de conteúdo na Web, baseada nas pesquisas efetuadas pelo grupo.

5. A PROTEÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS NO CURSO DE WEBDESIGN

A análise da proteção legal dos cursos on-line – e do Curso de Webdesign parte do pressuposto de se tratarem, tais cursos, de obras multimídias, conforme exposto. Este enquadramento vai definir a incidência da proteção legal conforme vai exposto.

DIREITOS MORAIS

O direito moral do autor é uma das manifestações dos chamados “direitos de personalidade”. São alguns exemplos de direitos da personalidade, os direitos à honra, ao nome, à imagem. É um direito pessoal e tem como características básicas a indisponibilidade, a intransmissibilidade e a irrenunciabilidade. Este direito diz respeito à identificação pessoal da obra, sua autenticidade, sua autoria. Somente pode ser exercido pelo autor da obra, ninguém mais. É um direito perpétuo, inalienável e absoluto. Não existe a possibilidade do autor renunciar à autoria, nem alienar o direito moral economicamente.

DIREITOS PATRIMONIAIS

Os direitos patrimoniais, por outro lado, conferem ao autor os poderes de usar, fruir e dispor de sua obra, além de também autorizar sua utilização ou fruição por terceiros no todo ou em parte. É o que prescrevem os arts. 28 e 29 da lei de direitos autorais.(17)

O principal objetivo dos direitos patrimoniais é regular a exploração econômica da obra intelectual. Contrariamente aos direitos morais, os direitos patrimoniais são alienáveis e têm uma duração limitada no tempo.(18)

OBRAS INTELECTUAIS PROTEGIDAS

A lei de direitos autorais em seu art. 7º e incisos define e enumera as obras intelectuais protegidas: .

Art.7º: São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro.

Pode-se resumir os critérios que caracterizam uma obra intelectual como objeto do direito autoral no seguinte:

· a obra deve ser necessariamente humana;

· a obra deve revestir-se de criatividade e a originalidade;

· a criação deve ser exteriorizada de alguma forma.

Deduz-se do dispositivo legal que nem todas as obras intelectuais merecem o amparo oferecido pela lei de direitos autorais. Um dos requisitos para que a obra seja objeto de proteção dos direitos autorais é que a obra intelectual seja exteriorizada em algum suporte material.

Assim, a lei autoral visa proteger as obras intelectuais por sua originalidade (i. e quanto à forma externa) e sua criatividade (i.e quanto à sua forma interna). Cumpre esclarecer que o que se protege não é a novidade contida numa obra, mas tão-somente a originalidade de sua forma de expressão. (20)

O Curso de Webdesign sob análise tem seu material didático inserido num ambiente virtual de aprendizagem – o EUREKA - com base num modelo pedagógico específico. Por meio deste ambiente, os alunos têm acesso ao conteúdo do curso, dispõem de recursos tecnológicos para interagir com o material didático e para estabelecer a comunicação com os demais participantes do curso. É neste suporte que o curso se manifesta e se realiza.

O Curso de Webdesign é o resultado do trabalho de diversas pessoas, que se utilizaram sua criatividade para criar os vários conteúdos que compõe o curso. O meio de expressão, no entanto, é único. É o meio digital, e este medium é um só, não obstante sua percepção seja múltipla, combinando texto, imagens, a tudo isto se juntando a faculdade de utilização interativa.

Conclui-se, então, que o Curso de Webdesign é uma obra decorrente da atividade e da criatividade humana, expressa no formato digital e, portanto exteriorizada. Conseqüentemente, é objeto de proteção do direito autoral.

AUTORIA, OBRAS COLETIVAS E OBRAS SOB ENCOMENDA

O art. 11 da lei de direitos autorais define quem seja considerado, juridicamente, o autor de uma obra protegida:

Art. 11. Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica. Parágrafo Único: A proteção concedida ao autor poderá aplicar-se às pessoas jurídicas nos casos previstos nesta Lei.

Vale dizer, na atual sistemática legal, somente pode ser considerado autor pessoa física. “A intenção do legislador foi, portanto a de eliminar qualquer possibilidade de atribuição de autoria às pessoas jurídicas, permitindo apenas que elas se beneficiem da proteção que a lei concede nos casos previstos”.(21) Desta forma, não se pode atribuir a autoria originária a uma pessoa jurídica.

Dado que somente podem autores pessoas físicas, e dado que muitos colaboram na produção de um curso on-line, outros conceitos devem ser analisados.

A lei de direitos autorais define obra coletiva:

Art. 5º inciso VIII, alínea h) Coletiva – a criada por iniciativa, organização e responsabilidade de uma pessoa física ou jurídica, que a publica sob seu nome ou marca e que é constituída pela participação de diferentes autores, cujas contribuições se fundem numa criação autônoma.

E no Art. 17, no capítulo “Da autoria das Obras Intelectuais”, consta que:

Art. 17. É assegurada a proteção às participações individuais em obras coletivas. Parágrafo primeiro: Qualquer dos participantes, no exercício de seus direitos morais, poderá proibir que se indique ou anuncie seu nome na obra coletiva, sem prejuízo do direito de haver a remuneração contratada. Parágrafo segundo: .Cabe ao organizador a titularidade dos direitos patrimoniais sobre o conjunto da obra coletiva.

GANDELMAN define obra coletiva como sendo aquelas que são criadas por ordem e direção geral de uma pessoa física ou jurídica, e nas quais a participação dos colaboradores não pode ser individualizada ou personalizada (por exemplo, as obras audiovisuais, as peças de campanhas publicitárias, enciclopédias e outras). (22)

PEREIRA entende que a característica típica das obras coletivas é o fato delas serem organizadas por iniciativa de entidade singular ou coletiva e divulgada ou publicada em seu nome. A conseqüência prática traduz-se em o direito de autor sobre a obra coletiva ser atribuído a esta entidade.(23)

É importante esclarecer que apesar da lei atribuir à empresa o direito de autor, não significa que a obra coletiva seja uma criação da empresa. Pois se assim fosse, as obras coletivas não seriam protegidas pelo direito de autor, como não são as obras geradas por computador. Nestes dois casos a obra não seria resultado da criatividade humana, e assim sendo, desprovida de originalidade. As obras coletivas são criadas por pessoas humanas pressupostamente em co-autoria, em que a coordenação tomou um peso essencial.(24)

As obras intelectuais, portanto, somente podem ser criadas por pessoas físicas e a elas pertencem originariamente. Os direitos patrimoniais relativos a estas obras é que podem ser cedidos ou transferidos à pessoa jurídica ou pessoa física (art. 49, da LDA), conforme será tratado neste capítulo mais adiante.

As obras sob encomenda são aquelas criadas por solicitação de uma pessoa física ou jurídica, que fornece e orienta o tema, e cujo pagamento prevê a transferência dos direitos patrimoniais para quem a encomendou.(25) A lei de direitos autorais estabelece os termos desta transferência dos direitos patrimoniais, em seu artigo 49.(26)

Como mencionado anteriormente, para a produção do Curso de Webdesign foi necessária a ação conjunta de um grupo de colaboradores, os quais desenvolveram suas atividades – cada um na sua especialidade - visando a criação de um produto, ou seja, o Curso de Webdesign. A iniciativa de realização foi da Pro-Reitoria de Pós Graduação da PUCPR, que encomendou o curso à CEAD/PUCPR. Esta, por sua vez, utilizou-se de uma equipe de profissionais, cujo vínculo destes com a Instituição (no caso a PUCPR) deu-se tanto por contrato de trabalho ou por meio de contrato de prestação de serviços. As diversas obras incorporadas no curso,

tanto as já existentes como as encomendadas especialmente para compor o curso, formaram um produto único, ou seja, o Curso de Webdesign, que foi financiado e divulgado em nome da PUCPR. Estes elementos caracterizam o Curso de Webdesign como uma obra coletiva.

Mas o Curso de Webdesign é também uma obra sob encomenda. Foi realizado por solicitação de uma pessoa jurídica – a PUCPR – que remunerou os autores para desenvolverem o curso e ainda conduziu as respectivas atividades de desenvolvimento. Neste caso, a lei prevê a transferência dos direitos autorais patrimoniais para a encomendante, no caso, a PUCPR.

Assim, o Curso de Webdesign é uma obra coletiva realizada sob encomenda. E a PUCPR, como encomendante, possui os direitos autorais patrimoniais sobre a obra final, ou seja, o Curso de Webdesign.

Ressalta-se que somente os direitos autorais patrimoniais passam a ser da PUCPR e não os direitos morais, que são inalienáveis e intransferíveis.

Os vários autores que colaboram no desenvolvimento do curso continuam mantendo o direito moral sobre suas criações. Isto significa que os autores não perdem a paternidade sobre suas obras, mas transferem à PUCPR o direito de explorar economicamente sua obra e de incorporá-la no curso.

A lei de direitos autorais é aberta a autonomia das partes, que podem regular seus interesses através de previsão contratual.A bem da verdade, as produções multimídias em geral envolvem aspectos autorais bastante complexos. Por isso defende-se a idéia de que um “planejamento autoral”, por assim dizer, deve ser feito para evitar violações de direitos protegidos.

NOTAS:

(1) LEVACOV, Marília. Bibliotecas virtuais. Para navegar no século 21 – Tecnologias do Imaginário e Cibercultura. 2 ed. Porto Alegre: Sulina/Edpucrs, 2000.pg.262

(2)PEREIRA, Alexandre Dias. Informática, direito de autor e propriedade tecnodigital. Coimbra: Coimbra, 2001.pg. 25

(3) Stewart, International Copyright (p. 185) citado por PEREIRA, Alexandre Dias Informática, direito de autor e propriedade tecnodigital. Coimbra: Coimbra, 2001. pg.25.

(4) PEREIRA, Alexandre Dias. Informática, direito de autor e propriedade tecnodigital. Coimbra: Coimbra, 2001.pg. 20

(5) ANTONIO, Irati. Autoria e Cultura na Pós-Modernidade. Ci. Inf., Brasília, v.27, n. 2, p.189-192, maio/ago, 1998.

(6) PEREIRA, Alexandre Dias. Informática,...pg. 20

(7) PEREIRA, Alexandre Dias. Informática,... pg. 270

(8) GANDELMAN, Henrique. De Gutemberg à Internet. 2 ed. Rio de Janeiro:Record, 2000 pg.148

(9) PEREIRA.Alexandre Dias. Informática...pg. 266

(10) Por novas tecnologias em educação, entende-se o uso da informática, do computador, da Internet, do Cd-Rom, da hipermídia, da multimídia, de ferramentas para educação a distância – como chats, grupo ou listas de discussão, correio eletrônico etc – e de outros recursos e linguagens digitais de que atualmente dispomos e podem colaborar significativamente para tornar o processo de educação mais eficiente e mais eficaz.( pg. 152 – Marcos T. Masseto – Mediação Pedagógica e o Uso da Tecnologia)

(11) LIMA, Frederico . A sociedade digital: impacto da tecnologia na sociedade, cultura, na educação e nas organizações. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2000.pg.84

(12) BELLONI, Maria Luiza. Educação à Distância. Campinas: Editora Autores Associados. 1999...pg. 54

(13) BARROS, Andre Neves. Uma Arquitetura Consensual para Ambientes Virtuais de Estudo In: Projeto VIRTUS: Educacao e Interdisciplinaridade no Ciberespaco.1 ed.Sao Paulo - Recife : Ed. Anhembi Morumbi - Editora Universitaria UFPE, 2000.

(14) As informações sobre o ambiente Eureka foram extraídas do módulo “Ajuda” do próprio ambiente. www.lami.pucpr.br/eureka

(15) BARROS, Andre Neves. Uma Arquitetura Consensual para Ambientes Virtuais de Estudo In: Projeto VIRTUS: Educacao e Interdisciplinaridade no Ciberespaco.1 ed.Sao Paulo - Recife : Ed. Anhembi Morumbi - Editora Universitaria UFPE, 2000.

(16)Os dados sobre o Projeto PACTO foram extraídos do site – www.lami.pucpr.br/pacto

(17) “Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor de obra literária, artística ou científica. Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: I -...”.

(18) MANSO, Eduardo Vieira. Direito Autoral; Exceções Impostas aos Direitos Autorais (Limitações e Derrogações). São Paulo: José Burshatsky, 1980. pg. 33

(19) GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg a... pg. 39

(20) GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg a...pg.110

(21) Ao contrário, a antiga lei de direitos autorais (Lei nº 5988/73, já revogada), admitia a atribuição de autoria às pessoas jurídicas.

(22) GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg a...pg. 112

(23) PEREIRA, Alexandre Dias. Informática,...pg. 288

(24) PEREIRA, Alexandre Dias. Informática...pg. 291

(25) GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg a...pg.108

(26) Art. 49: Os direitos do autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, à título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, concessão, cessão ou outros meios admitidos em Direito, obedecidas as seguintes limitações:

I – A transmissão total compreende todos os direitos do autor, salvo os de natureza moral e os expressamente excluídos por lei;
II – somente se admitirá transmissão total e definitiva dos direitos mediante estipulação contratual escrita;
III – na hipótese de não haver estipulação contratual escrita, o prazo máximo será de cinco anos;
IV – a cessão será válida unicamente para o país em que se firmou o contrato, salvo estipulação em contrário;
V – a cessão só se operará para modalidades de utilização já existentes à data do contrato;
VI – não havendo especificações quanto à modalidade de utilização, o contrato será interpretado restritivamente, entendendo-se como limitada apenas a uma que seja aquela indispensável ao cumprimento da finalidade do contrato.

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