UM DOS MEIOS DE DEMOCRATIZAR 
O ACESSO AO SABER GEOGRÁFICO: 
A EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA?

 

Valdenildo Pedro da Silva
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
 valdenildo@bol.com.br

Cláudio Antonio Gonçalves Egler
(Orientador)
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

egler@ufrj.br

 

(Texto original com imagens: clique aqui)


O estudo procura analisar as limitações e as possibilidades do ensino superior em Geografia, desenvolvido sob a modalidade presencial, no estado do Rio Grande do Norte, considerando as contribuições dadas a (re) construção da cidadania da sociedade local sob os pontos de vista socioespacial e de democratização do acesso ao conhecimento geográfico. Nessa investigação, partimos do princípio de que o tema em questão, enquanto objeto teórico-empírico, vem interessando estudiosos dos mais diversos ramos da ciência, com isso não poderíamos nos furtar em discutir a democratização, o acesso e a qualidade do ensino no âmbito da Geografia. Para isso, seguimos alguns procedimentos metodológicos: levantamento e análise da bibliografia pertinente a temática; coleta de informações junto as Instituições de Ensino Superior desse Estado, que ministram a Graduação em Geografia; selecionamos, também, um referencial teórico no âmbito de estudos crítico-sociais dos quais partilhamos, apoiando-nos em autores que teorizaram sobre problemas centrais que permanecem totalmente esquecidos ou ignorados e que são essenciais para se ensinar à sociedade: o saber pensar e construir o conhecimento e, no caso dos geógrafos, o território humano em suas múltiplas dimensões. Numa incursão preliminar sobre o objeto de estudo, evidenciaram-se algumas limitações da modalidade presencial do ensino superior dessa ciência. Assim sendo, é necessária à dinamização das formas de acesso ao saber geográfico, trilhando por meio de um outro ensino que seja de qualidade, permanente e a distância; um meio alternativo de democratização e construção de uma sociedade culta, crítica e civilizada como pontuou Cipriano Luckesi.
Palavras-chave: Ensino Superior, Democratização do acesso e Educação A Distância.

 

1. INTRODUZINDO O TEMA

 

Aprender é uma necessidade de todos durante toda a vida e, enquanto necessidade vital, é liberdade e prazer. Odette Seabra (1995).

 

 

Nas palavras de Odete Seabra aviva-se o sentimento de que a aprendizagem é uma coisa necessária a todos os seres humanos ao longo da vida, desde que sirva à libertação e à construção de um saber duradouro e prazeroso. Mas, de que liberdade e de que prazer nos fala essa geógrafa-educadora? Provavelmente, estará associando esses sentimentos a um tipo de saber que se constrói a partir de um conteúdo em contínuo processo de definição e redefinição, entendido como um produto histórico elaborado. É sobre isso que pretendemos refletir, orientando-nos por um modo de pensar, por uma nova forma de construção do conhecimento geográfico.

A investigação que nos propomos realizar exige um amplo esforço interdisciplinar capaz de rejuntar ciências e humanidades, possibilitando, assim, alcançar, ao término do estudo, as metas e os objetivos pretendidos, destacando-se a análise das limitações e possibilidades do ensino de graduação em Geografia, desenvolvido de maneira presencial, no Rio Grande do Norte, com ênfase para às contribuições de (re)construção da cidadania para a sociedade local sob o ponto de vista socioespacial e cultural e de democratização do acesso ao saber geográfico.

Este trabalho, além do objetivo acadêmico de produção do conhecimento geográfico, busca contribuir para a ampliação da formação de estudantes que tenham concluído o ensino médio e que, por dificuldades de tempo e acesso, não tiveram oportunidades ou condições de freqüentar os cursos tradicionais e sistemáticos de Geografia ofertados pelas universidades situadas no território norte-rio-grandense. Aliando-se a isso, têm-se perspectivas abertas de interiorização e de democratização do saber geográfico em nível superior difundido por outras áreas geográficas do Estado.  

É pretensão deste estudo trazer uma contribuição ao debate sobre os sentidos e os rumos que a educação deve tomar nesses tempos modernos, em que as constantes transformações socioeconômicas, políticas e tecnológicas têm requerido um sujeito cada vez mais competente, que saiba agir de modo inteligente e seja possuidor de conhecimentos múltiplos e complexos. Em contrapartida, podemos dizer que essa é uma questão quase paradoxal, considerando o fato de estarmos diante de uma sociedade que se apresenta bem mais empobrecida pela imposição neoliberal em todas as esferas da atividade humana, no curso dos últimos anos.

 Precisamos dinamizar as formas de acesso ao saber geográfico, realizando um ensino que seja de qualidade, permanente e a distância, e que privilegie o exercício da crítica, da possibilidade da manifestação da diferença, num espaço de afirmação da criatividade, da alimentação da paixão pela descoberta, de estímulo à reflexão (Damiani; Carlos, 1999, p. 99). Mais ainda: que possibilite a um número maior de pessoas desenvolver sua capacidade de desvendamento da realidade socioespacial.

Tratando dessa temática, Martins (1994, p. 3) é enfático ao afirmar que

a nossa tarefa não pode mais se limitar só ao contexto do ensino superior regular [ou presencial]. Se assumimos compromissos de que a educação é um poderoso instrumento de luta, o ensino superior a distância deverá exercer papel essencial no progresso da sociedade (...), para que possamos alcançar os objetivos da democratização, tão reiterados nas instâncias políticas da educação de nosso país.

 

2. ENTRE AS LIMITAÇÕES DA GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA: O ENSINO SUPERIOR A DISTÂNCIA COMO MEIO DE DEMOCRATIZAÇÃO DO SABER GEOGRÁFICO

 

Numa reflexão preliminar, entendemos que a demanda por educação, visando à qualificação, requalificação profissional e sobretudo pessoal, vem sinalizando para as limitações da modalidade de ensino e educação presenciais. Assim sendo, para atender a essa crescente solicitação, é fundamental e necessária a inserção de novos meios de educação continuada, aberta e a distância. Entendemos a educação a distância como um método de construção do conhecimento, competências e atitudes, racionalizado pelo uso intensivo de meios técnicos, especialmente com o objetivo de reproduzir material de ensino de alta qualidade, possibilitando instruir um maior número de estudantes, ao mesmo tempo. Onde quer que eles vivam (Belloni 2001).

Neste início de milênio, novas concepções sobre educação, revisões e reatualizações teóricas de desenvolvimento e aprendizagem estão vindo à baila nos discursos de inúmeros estudiosos, como caminhos e ou alternativas que visam melhorar a acessibilidade e a democratização do saber entre as sociedades humanas. No caso do Brasil, as recentes mudanças propostas à Educação podem ser um exemplo disso; mas não resta dúvida de que num primeiro momento evidenciaram os grandes desafios vivenciados pelo sistema educacional. Não obstante, firma-se também a certeza de que essas mudanças são sinalizadoras de novas perspectivas e oportunidades de construção de um saber pautado pelo desenvolvimento da cidadania da sociedade brasileira, já que formar cidadãos requer, como condição, o exercício da própria cidadania.

Diante da necessidade e do desafio de se produzir um projeto moderno de sociedade, em um espaço-tempo de acelerada mudança nas relações sociais, nas relações de trabalho e no perfil tecnológico - com novas exigências de qualificação para o trabalho e para a cidadania -, a educação surge como fator primordial. Nesse sentido, cada vez mais são fundamentais recursos humanos qualificados, dotados da capacidade de saber pensar, avaliar processos complexos, questionar o papel explicativo do conhecimento - do geográfico em particular -, e globalizar conhecimentos e experiências. Em função disso, e respaldando o que já é quase consenso nos meios governamentais e não-governamentais, afirmamos  que a escola precisa dar sua contribuição mais efetiva para a construção da cidadania.

Cabe-nos demonstrar interesse pelos projetos de formação humana (e mesmo priorizá-los) caracterizados pela continuidade, permanente atualização e renovação continuada do ensino e da aprendizagem, buscando beneficiar um maior número possível de indivíduos, numa formação que seja de longa vida, uma vez que entendemos a educação como instrumento de emancipação de indivíduos; por conseguinte, capaz de promovê-los, no sentido de torná-los aptos a satisfazer as exigências e necessidades das sociedades contemporâneas.

Para entender como se processa a educação em nosso país, é preciso considerá-la dentro da seguinte realidade, aparentemente contraditória: por um lado, as estatísticas apontam para uma melhor distribuição da oferta de vagas em instituições públicas e privadas que oferecem os ensinos fundamental, médio e superior; por outro lado, registramos elevados contingentes populacionais sem acesso a uma educação decente e de qualidade, especialmente em nível universitário.

No tratamento dessa questão, tomemos como exemplo o ensino superior no Nordeste brasileiro, em particular no Rio Grande do Norte, onde pouco tem-se disseminado. Em termos numéricos, assim se expressam os dados: das 124 instituições de Ensino Superior do Nordeste, somente seis (universidades, faculdades e estabelecimentos isolados) estão situadas no território norte-rio-grandense, com 111 cursos distribuídos da seguinte forma: 55 na Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, 30 na Universidade Estadual  do Rio Grande do Norte – UERN e 19 na Universidade Potiguar – UNP (instituição de ensino privado), além de outros 7 cursos que se encontram espalhados por algumas faculdades integradas e centros universitários  (INEP, 1999, p. 11).

A reduzida presença de instituições de ensino superior (sejam públicas ou privadas) vem ratificar o estudo comparativo elaborado sobre a Educação no Estado do Rio Grande do Norte pela Coordenadoria de Estudos Socioeconômicos (CESE), com base nos dados da Pesquisa Nacional sobre educação por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE), entre os anos de 1995 e 1999. No transcorrer desse período, houve um aumento da freqüência escolar no RN. O ensino superior, por exemplo, registrou percentuais superiores ao do Nordeste, porém ambos apresentam índices inferiores ao do país.  Observando o gráfico 1, abaixo, podemos perceber que menos de 17% de toda a população estudantil no Estado freqüentam o segundo grau e que esse índice não atinge nem 6% da freqüência no ensino superior (IDEMA, 2001).

 

GRÁFICO 1

RIO GRANDE DO NORTE, NORDESTE E BRASIL

ESTUDANTES  DE 5 ANOS DE IDADE OU MAIS,  QUE FREQÜENTAM  ESCOLA - 1999

         Fonte: IDEMA/CESE (dados básicos: IBGE, PNAD, 1999), 2001.

 

Em breve análise da Sinopse Estatística do Ensino Superior de Graduação (INEP, 1999), o que nos surpreendeu foi à ênfase que esse documento expressou a respeito do intenso processo de interiorização desse nível de ensino e de educação no país. No nosso entendimento, a crescente elevação no número de vagas ofertadas pelas instituições de ensino superior vem ocorrendo, principalmente, no interior dos estados que integram a região concentrada do Brasil (sul e sudeste), não se constituindo, portanto, numa realidade local, visto que no interior do Estado do Rio Grande do Norte ocorreu o inverso. A partir da década de 90, deu-se o fechamento de várias campi da UFRN.  Atualmente, a presença dessa instituição de ensino no interior do Estado está limitada à atuação do Centro Regional de Ensino Superior do Seridó (CERES), formado pelas unidades de ensino situadas nos municípios de Caicó e Currais Novas. Já a Universidade Estadual do Rio Grande do Norte - que tem seu Campus Central localizado na cidade de Mossoró - pode ser considerada, de fato, como uma instituição de ensino, pesquisa e extensão voltada para o interior, uma vez que se situa fora da área metropolitana de Natal, concentrando-se principalmente na região Oeste do RN, além de possuir alguns campi em outras áreas territoriais do Estado.

É importante ressaltar que a realidade do ensino superior no interior do Estado do Rio Grande do Norte não se assemelha à do centro-sul do país, por razões que estão ancoradas na própria história da formação socioespacial brasileira, eivada de desigualdades e contradições socioculturais. Assim, o que se parece delinear, no curso dos últimos anos, no cenário estadual norte-rio-grandense, é a ausência de espaços universitários que desenvolvam projetos pedagógicos mais específicos e diversificados e que atendam, também, os interesses regionais por meio de uma educação pública, gratuita e de qualidade.

Considerando Martins (1994) como referência, afirmamos que, tradicionalmente, a universidade tem atendido uma clientela de elite e com nível econômico e social razoável. À margem dessa, no entanto, existe uma outra que, por condições de sobrevivência, não tem tempo ou não possui recursos para cursar o ensino superior. Nas duas situações, o compromisso social da Universidade poderá ser cumprido, quando essa instituição se predispuser a democratizar esse nível de ensino, dentro de uma nova concepção de sociedade aberta, na qual haja uma democracia política, social e econômica que viabilize ao povo o compartilhamento do poder, de forma consciente. Assim sendo, cabe-nos indagar: como realizarmos programas educativos que possibilitem realmente atender a todas as camadas de nossa sociedade? O que podemos fazer, em escala mais ampla, para que se possa construir, de modo facilitado e criativo, uma sociedade universitária com pluralidade de idéias e que tenha um melhor nível de conhecimento e educação?

 Observe-se que poucos são os cursos de ensino superior oferecidos no interior do Estado do Rio Grande do Norte pelo Centro Regional de Ensino Superior do Seridó, pertencente a UFRN. Além disso, das 3.514 vagas ofertadas pelo vestibular dessa universidade (UFRN, 2001), somente 9,39% são destinadas para o campi do interior-CERES, distribuídas pelos cursos de Administração, Ciências Contábeis, Direito, Geografia, História, Letras, Matemática e Pedagogia, o que corresponde, em média, a 40 candidatos por curso. Muitas são as dificuldades de funcionamento desses cursos, cujos aspectos quantitativos e qualitativos merecem observações e críticas, quer seja pelo número de entradas de alunos, quer seja pelo reduzido número de docentes ou pela qualificação desses profissionais (grande parte ainda sem pós-graduação em níveis de mestrado e doutorado). Essa é uma realidade que se assemelha à da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, no que se refere ao reduzido número de acesso de alunos ao ensino superior e à quantidade e qualificação dos docentes.

A centralização dos cursos, em alguns pólos regionais, tem restringido e dificultado o acesso de jovens e estudantes, e até mesmo de educadores não-qualificados que lecionam em escolas de ensino fundamental e médio, e moram distante desses centros educacionais. Os motivos vão desde a desqualificação ou despreparo para concorrerem às vagas oferecidas em exame de seleção, até as formas de locomoção para freqüentarem esses cursos em horários tradicionais. Tudo isso vem contribuindo para inviabilizar, cada vez mais, o processo de interiorização e de democratização da escola pública e, por conseguinte, do acesso ao ensino superior de indivíduos que residem nas áreas mais longínquas do interior do Estado.

A despeito de circunstâncias tão adversas como as que se contemplam, orientamos nossa reflexão na crença de que a democratização da escola pública deve ser entendida, nessa ocasião, como a ampliação das oportunidades educacionais, disseminação de conhecimentos e reelaboração crítica, aprimoramento da prática educativa escolar visando ajudar a sociedade na formação e, inclusive, na melhoria de suas condições de vida. (Libâneo, 1984, p. 12).

E para marcar presença nesse diálogo, reativamos o nosso pensamento de que democratizar o ensino é educar para a cidadania, fortalecendo o potencial educativo do ser humano para a fraternidade, para o sentido social da vida.

É em função desse pensamento que este trabalho acadêmico caminha, acenando para mudanças sociais que levem à implementação de uma ação cidadã, na perspectiva de uma aprendizagem aberta e de uma educação duradoura e autônoma, voltadas, sobretudo, para atender as camadas excluídas desse nível de ensino no interior do Estado do Rio Grande do Norte. A ancoragem nas palavras de Castro (2000, p 4), para quem o principal objetivo da educação superior é oferecer diferentes opções, de acordo com os perfis e interesses profissionais dos educandos, observando diversificação e flexibilização da oferta, é determinante para exigir-se do sistema de ensino superior uma reordenação de sua estrutura curricular, como condição imprescindível para que possa enfrentar os muitos desafios da nova sociedade do conhecimento.

Analisando detalhadamente os cursos de graduação disponíveis no interior do Estado do RN, pareceu-nos evidente a reduzida contribuição advinda deles à população como um todo, tendo em  vista não atenderem a crescente demanda por parte dos jovens oriundos do ensino médio, e por uma grande quantidade de educadores que não dispõem de uma qualificação em nível universitário, bem como de outros indivíduos integrantes da sociedade local que, anos a fio, tentam cursar o ensino superior. No nosso entendimento, isso vem gerando uma demanda cada vez mais heterogênea. Embora se reconheçam as contribuições que esses cursos trouxeram para seletos grupos sociais, não podemos desconhecer as limitações e os desafios postos à maioria dessa população, haja vista permanecerem em execução currículos rígidos, que desconsideram mudanças importantes que vêm matizando o atual cenário de desenvolvimento da sociedade.

Essa é uma realidade, por exemplo, vivenciada pelo curso de graduação em Geografia, uma vez que, anualmente, são disponibilizadas somente 165 vagas para todo o Estado. Desse total, 80 foram ofertadas (reduzidas para 70, no vestibular-2002) pelo vestibular da UFRN para o Campus Central (nas modalidades de licenciatura plena e bacharelado), enquanto que, para o CERES, sediado em Caicó, são selecionados 40 candidatos para cursarem a Licenciatura Plena. Por outro lado, a Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, com sede em Mossoró, seleciona, via processo seletivo/concurso vestibular com cerca de 1.250 vagas, somente 45 candidatos para cursarem o ensino de graduação em Geografia, na modalidade de licenciatura plena.

 Assim, destacamos que, no Estado do Rio Grande do Norte, dos 167 municípios existentes, somente três deles constituem-se em territórios reais que vêm possibilitando à sociedade a chance de discutir a contribuição dessa ciência social para o entendimento da reestruturação geográfica dos vários lugares desse Estado. Na maioria dos municípios do interior do Estado, os docentes que lecionam a disciplina de Geografia não possuem qualificação exigida e condizente para tratar com segurança e domínio a multidimensão dessa ciência, o que nos leva a crer que essa prática educativa vem sendo difundida por meio da simplificação dos conhecimentos e explicação das múltiplas relações estabelecidas entre a sociedade e a natureza. Acrescente-se a isso o fato de se estar restringindo o acesso ao ensino superior dos concluintes do ensino médio que aguardam uma oportunidade para cursarem a graduação em Geografia. Sabe-se, além disso, que, em grande escala, as aulas de Geografia vêm sendo ministradas de forma presencial, ancorando-se ainda nos vários graus de ensino, na descrição e no empirismo, na fragmentação da totalidade e na dicotomia entre o homem e a natureza. Essas são, certamente, as marcas características dessa ciência social, dividida em partes, exercício questionado desde os clássicos do século XIX (estamos pensando em Humboldt), e pelos que os seguiram, até os nossos dias (Conti, 1992, p. 9).

Tomando por base Santos et al (2000, p. 6-7), podemos dizer que, fragmentada, a geografia não oferece uma explicação do mundo e, portanto passa a precisar, cada vez mais, de adjetivos que explique a sua finalidade. Ela perde substância e corre sérios riscos de não ser necessária nos currículos escolares.

Entendemos que a geografia serve a todos, por isso o ensino dessa ciência deve-se fazer presente em todos os quadrantes do território ocupado, revelando os processos de ação implementados pela realidade social total, a partir de sua dinâmica territorial, bem como da própria complexidade de seu uso em todos espaços geográficos, numa indissociabilidade de objetos e ações. A geografia, como saber, é, em cada momento histórico, um modo de pensar a época, movendo-se no contexto da produção do conhecimento, que é dinâmico e ininterrupto.

Pontuschka apud Kaercher (2000, p, 81) afirma que

a geografia assim como as demais ciências humanas e sociais têm na escola o compromisso de contribuir para formar o ‘homem inteiro’, discurso lido em muitos momentos, mas muito difícil de se realizar na prática do espaço social denominado escola, [universidade] (.). O conhecimento geográfico abre ao jovem a possibilidade de pensar o homem inteiro em sua dimensão humana e social, aberto ao imprevisto, aberto ao novo com força ou poder para resistir na realidade da qual é participante.

Diante disso, vale questionar até que ponto os cursos superiores em Geografia - em atuação no território norte-rio-grandense e desenvolvidos na modalidade de educação presencial - têm contemplado um ensino que vise superar a fragmentação do saber geográfico e possibilitar uma aprendizagem autônoma e segura, de acordo com as exigências do mundo atual; em que medida os cursos de graduação em Geografia, ministrados de maneira presencial, têm atendido a crescente demanda heterogênea da população local ao ensino superior? Quais as contribuições acadêmico-científicas que o ensino superior de Geografia vem dando para a construção da cidadania da sociedade norte-rio-grandense sob o ponto de vista socioeconômico e cultural? 

Essa análise, em caráter preliminar, permite-nos dizer que os cursos de graduação em Geografia, existentes no Estado do Rio Grande do Norte, ainda caminham em posição contrária aos pressupostos do conhecimento geográfico na sua totalidade. Ainda se vem privilegiando e concentrando a especialização do saber em disciplinas como prioridade, sem qualquer interação ou flexibilização das estruturas curriculares (mantendo, ainda, a prática educativa que prioriza isoladamente os conhecimentos, ora da Geografia Humana, ora da Geografia Física e ou de outros tipos), em detrimento de um conhecimento multifacetado e flexível. Essa realidade contribui, na nossa percepção, para afastar, cada vez mais, o profissional do geógrafo-cidadão, de formação consistente e comprometida com a sociedade e, por conseguinte, com os problemas do território. Entendemos que o profissional geógrafo-educador deve ser um mediador entre o conhecimento científico construído a partir da realidade na qual ele vive, sendo ele o vetor para que se alcance o consenso entre o homem, o conhecimento e o seu meio (Andrade, 1993).

Entretanto, mesmo no início deste novo milênio, a tão decantada dicotomia sociedade-natureza ainda faz parte da cotidianidade da Ciência Geográfica brasileira, principalmente nas formas do ensino presencial. Não se pode negar isso, já que inexistem outras experiências que provem o contrário. Mas, ancorando-se em pressupostos da interdisciplinaridade, contextualização e na formação por competências e habilidades tão exigidas pelo atual mundo contemporâneo, pretendemos sinalizar com mudanças que venham contribuir para o redimensionamento do processo de ensino-aprendizagem da Geografia no nível do ensino superior, introduzindo localmente formas inovadoras, criativas, críticas, mediadoras e mediatizadas, que possam conviver em conexões nesse grau de ensino, quer seja presencial ou não.

Podemos afirmar que resulta em aberto, no Estado do Rio Grande do Norte, todo um campo de investigação da educação a distância no ensino superior a ser explorado e implementado, dessa vez fazendo-se uso de novas formas de educação continuada que, sendo diferentes ou não das formas tradicionais, se revelem apropriadas para modificar a configuração dos processos de ensino e aprendizagem geográficos. Nesse sentido, evidenciamos o caminho a ser trilhado: el sistema de educación universitaria a distancia viene a satisfacer la demanda de una sociedad activa y preocupada por la formación, que busca una respuesta a la necesidad de una cualificacón universitaria que por distintas circunstancias la universidad presencial no puede hacer realidad (UNED, 1998, p. 12).

Em sintonia com esse pensamento, Belloni (2001, p. 3) anuncia que a educação (...) a distância aparece cada vez mais, no contexto das sociedades contemporâneas, como uma modalidade de educação extremamente adequada e desejável para atender às novas demandas educacionais decorrentes das mudanças na nova ordem econômica mundial.

Além disso, a educação a distancia (EaD), em nível de graduação, é uma forma de ensino que pode facilitar preferentemente el acceso a la enseñanza universitaria y la continuidad de sus estudios superiores, a todas las personas que estando capacitadas para seguir estudios superiores, no puedan frecuentarlas aulas universitarias por razones laborales, económicas, de residencia o cualquiera outra de similar consideración (UNED, 1998, p. 12).

Na consolidação dessas reflexões, resgatamos as seguintes idéias sintetizadas por Belloni (2001, p. 6),

 a experiência e o saber desenvolvidos no campo da educação a distância podem trazer contribuições significativas para a expansão e melhorias dos sistema de ensino superior no sentido da convergência, defendida pela maioria dos especialistas, entre as diferentes modalidades de educação: o cenário mais provável no século XXI será o de sistemas de ensino superior ‘mistos’, ou ‘integrados’, que oferecem oportunidades diversificadas de formação, organizáveis de modo flexível, de acordo com as possibilidades do aluno, com atividades presenciais e a distância, com uso intensivo de tecnologias e com atividades presenciais, mas sem professor, de interação entre estudantes, que trabalharão em equipe de modo cooperativo.

Com base nesses pronunciamentos, reiteramos nossa intenção de estar contribuindo com a ciência geográfica, apresentando novos rumos e formas de encaminhamento de leituras dos múltiplos usos do território humano. Além disso, é condição fundamental sinalizarmos com experiências que levem à ampliação de oportunidades aos vários sistemas de educação, dentre os quais priorizamos um ensino superior de Geografia flexível e a distância. Nessa perspectiva, deve haver empenho na construção de novos meios metodológicos e de novas tecnologias que reforcem o dinamismo e a criatividade do educando, a serem postos a serviço das necessidades da sociedade norte-rio-grandense, em particular àqueles que mourejam, sonham e pensam em utilizarem-se dessa ciência como um campo aberto para ousarem libertar-se do imediatismo do fazer pedagógico, e superar o incômodo de caminhar sem apoios e por suas próprias pernas. (Heidegger, 1981, p. 61). 

 

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