O PRESENCIAL-ATUAL E O PRESENCIAL-VIRTUAL NA EAD:
CONSTRUINDO UM PLANO DE IMANÊNCIA



Profa. Dra. Araci Hack Catapan
UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
hack@linhalivre.net

(Texto original com imagens: clique aqui)


RESUMO

A Educação a Distância está se tornando um sistema cada vez mais relevante nos processo de formação dos indivíduos, principalmente pelo seu alcance e efeito democratizador ampliado pela Tecnologia de Comunicação Digital. Um dos principais desafios da EAD é garantir a qualidade dos programas através do desenvolvimento de metodologia pedagógica adequada a esse sistema. Observando-se alguns ambientes desenvolvidos para EAD percebe-se, na maioria dos casos, a ausência da congruência necessária entre a concepção pedagógica, o objeto de estudo e o processo metodológico. Neste estudo está se desenvolvendo um modelo de programa para EAD mediado por Tecnologia de Comunicação Digital que se desdobra em três dimensões intimamente recorrentes: plano de imanência, plano de gestão e plano infra.

PALAVRAS-CHAVE

Presencial-virtual, Presencial-atual, actantes, Plano de Imanência, Plano de Gestão, Plano Infra


Nesta proposição entende-se que a condição primeira para o êxito em qualquer empreendimento é ter clareza do propósito, das características peculiares, dos princípios e condições que unem seus actantes regem a gestão. No caso singular de um programa de EAD, esta condição se põe ainda mais contundente, dadas suas peculiaridades.

A EAD - Educação a Distância - é um termo usado para diferenciar o processo ensino-aprendizagem presencial-virtual do processo presencial-atual, tomando-se neste estudo como referência o conceito de atual e virtual tratado por Deleuze (1988). O atual é a idéia transformada em conceito, é a idéia objetivada através da identificação das diferenças e diferenciações de seus caracteres. O conceito é construído objetivamente e é sempre referenciado e passível de ser disponibilizado como informação. O virtual é a idéia e contém o todo pensado, o todo das representações e significados em estado de imanência (subjetivada). No entanto, é a idéia que confere o sentido à informação disponibilizada, ao conceito construído. Estes dois conceitos (virtual = idéia e atual = o conceito), entendidos de forma analógica, contribuem de maneira relevante para se perceber a diferença básica entre um processo ensino-aprendizagem presencial-atual no sistema de educação convencional, e um processo presencial-virtual no sistema de EAD. Ou seja, ambos são presenciais pois requerem a ação do sujeito epistêmico do sujeito da aprendizagem; o que os diferencia é a ambiência de interação de seus agentes, ou no modo como o agente se faz presente, no modo atual ou no modo virtual.

A ambiência pedagógica, entendida como a interação entre os actantes (humanos e não humanos ou tecnológicos) seja no modo atual ou virtual, implica diretamente no desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem. No caso do sistema EAD, a ambiência pedagógica toma um modo peculiar. A EAD diferencia-se do sistema de educação presencial-atual pelo modo como constitui sua ambiência. Num processo ensino-aprendizagem em ambiência pedagógica atual (presencial-atual, por mediação pessoal em sala de aula) as interações são construídas, ou alteradas, ou reorientadas num sistema de comunicação direta entre seus apreendentes, principalmente pelas interferências do professor e do aluno. No caso da EAD, a ambiência pedagógica virtual (presencial-virtual por mediação tecnológica), as interações são mediadas por um Sistema de Comunicação Digital ou impresso e também podem ser construídas, alteradas ou reorientadas, porém não no ato, como ocorre na sala de aula ou na ambiência pedagógica atual, mas através da mediação tecnológica. Essa mediação precisa ser prevista, organizada e disponibilizada de forma dinâmica e amigável para o apreendente.

No sistema EAD os actantes entram em interação no modo presencial-virtual mediados pela Tecnologia de Comunicação Digital, impondo-se, necessariamente, uma determinada concepção na organização, desenvolvimento e avaliação do processo ensino-aprendizagem - uma concepção que atente e disponibilize desafios pedagógicos cuidadosamente explicitados, pois não conta com a oportunidade de uma reorientação ou uma reargumentação imediata, como ocorre em um processo em ambiência pedagógica atual.

Um processo ensino-aprendizagem requer sempre a interação entre sujeitos que ensinam e sujeitos que aprendem e um objeto a ser conhecido. No sentido epistemológico, sujeitos em diferentes níveis de conhecimento interagindo para apropriar-se de um objeto de conhecimento, para desvelar um fato ou um fenômeno, ressignificando conceitos, construindo conhecimento. Essa interação pode se dar de modo direto, presencial-atual, ou mediado tecnologicamente, presencial-virtual. Porém é preciso reconhecer que para haver aprendizagem é imprescindível a ação do sujeito que aprende, e esta é sempre uma ação presencial-atual (ação de um apreendente). Por isso em sistema EAD o processo ensino-aprendizagem constitui-se genuinamente como um processo de auto-organização, em que se implicam todos seus actantes, sem priorizar a ação de um sobre o outro. Num sistema EAD, mediado pela Tecnologia de Comunicação Digital, pode-se disponibilizar condições para interação entre os seus actantes em tempo e espaço simultâneo de forma síncrona ou assíncrona. Ou seja, na ambiência pedagógica virtual todos os estão presentes em qualquer tempo e em qualquer espaço, interagindo e interdeteminando-se de uma forma recorrente. O professor, o aluno, os media estão atuando simultaneamente, sempre que a ambiência for acessada por um de seus agentes, transformando todos os seus elementos em actantes. É imprescindível em qualquer ambiência pedagógica a ação do sujeito apreendente. A aprendizagem é um processo essencialmente individual, embora não prescinda das interações sociais. Porém as interações sociais podem ser mediadas tecnologicamente; a individual subjetiva, ainda não. Portanto o processo de ensino-aprendizagem se constitui sempre pela interação presencial, seja no modo atual ou no modo virtual. A aprendizagem é um movimento de auto-organização que se dá na interação e esta pode ocorrer no modo atual ou virtual e sempre tem um caráter individual-social. No caso do processo ensino-aprendizagem em ambiência pedagógica virtual, as possibilidades de interações se ampliam cada vez mais, tornando-se cada vez mais coletivas. No ciberespaço, cada vez maior número de sujeito pode estar interagindo e aprendendo em qualquer tempo, em qualquer espaço, em qualquer área ou nível de conhecimento. O mesmo saber pode ser acessado por bilhões de indivíduos ao mesmo tempo, no mesmo espaço, o que na comunicação impressa ou na analógica não era possível.

Uma ambiência pedagógica atual conta com a interferência direta, pessoal de seus apreendentes no ato da interação. Numa ambiência pedagógica virtual as interferências e mesmo as inferências estão postas como condições de possibilidades, disponibilizadas tecnologicamente, e podem ou não ser operadas na interação; no entanto, precisam ser disponibilizadas, explicitadas de uma forma clara, objetiva, amigável para o sujeito aprendente. A ambiência pedagógica atual também deve requerer esse rigor, porém conta com a possibilidade de os sujeitos apreendentes (aluno e professor) poderem estar retificando, revendo, recolocando, refazendo instantaneamente a sua mensagem. Na ambiência pedagógica virtual nem sempre os apreendentes, principalmente o professor, podem estar recolocando, refazendo, reargumentando sua inferência. Por isso ela precisa ser concebida, organizada e disponibilizada com muita clareza e objetividade, garantindo, ao mesmo tempo, as possibilidades de construção e de ressignificações multirreferenciais do objeto de conhecimento. Na ambiência pedagógica virtual cada um dos actantes é um agente em estado virtual e não se restringe ao estado atual, estando portanto não sujeitos aos limites de tempo, espaço e controles preestabelecidos ou mesmo controles diretos e imediatos como pode ocorrer na ambiência pedagógica atual. Por conseguinte, qualquer pretensão ou esforço em impor controles e avaliações, nos modelos convencionais, mesmo que em background, tornam-se inócuos e limitados. Esta é a tênue fronteira entre um processo de ensino-aprendizagem no modo atual e um processo de ensino-aprendizagem no modo virtual ou à distância.

Considerando este novo modo do ser, do saber e do aprender virtual, a educação precisa ser ressignificada, e o processo ensino-aprendizagem reorganizado em todas as suas contingências e interdeterminações, de forma singular os processos denominados de EAD que exploram a Tecnologia de Comunicação Digital.

A exploração da Tecnologia de Comunicação Digital pode ampliar e enriquecer significativamente a ambiência pedagógica virtual ou a ambiência pedagógica da EAD.

Os recursos da Tecnologia de Comunicação Digital favorecem significativamente a construção de uma ambiência, superando os limites do modo da EAD impressa. Com a Tecnologia de Comunicação Digital a comunicação entre os actantes pode ser bem mais rica do que a informação impressa, contemplando melhor a dinâmica que consiste no movimento da aprendizagem. Porém exige uma programação também dinâmica e coerente internamente. A concepção pedagógica, o objeto de estudo e o processo metodológico precisam estar em interação e congruência, do contrário pode-se estar utilizando a Tecnologia mais avançada para se fazer o óbvio ou o tradicional.

A Educação a Distância em ambiência presencial-virtual é um sistema que pode atender as demandas emergentes nos processos de formação humana, diferenciando-se dos modelos convencionais de ensino. Entretando, conceber, desenvolver e avaliar um programa de EAD requer o compartilhamento de idéias, proposições e ações. Ou seja, uma proposta inovadora na área de EAD, explorando Tecnologia de Comunicação Digital exige que se trabalhe com propósitos, princípios e planos claros e compartilhados.

Acredita-se que um programa de EAD pode tomar uma dimensão dinâmica e enriquecida quando sustentada por um programa de ação consistente e congruente. Entende-se por consistência: propósitos claros; princípio e ações definidas; diagnóstico, previsão e viabilidade das condições necessárias. Entende-se por congruência o reconhecimento das implicações entre as contingências e interdeterminações entre seus planos, fatores e elementos.

O modelo de programa proposto neste estudo consta de três planos: Plano de Imanência, Plano de Gestão e Plano Infra. As reflexões e inferências fluem de uma pedagogia como plano de imanência para uma taxionomia multirreferencial como plano de gestão e de infra, engendradas como três dimensões de um mesmo processo. Um plano flui no outro e no fluxo emergem como um programa inteiramente compartilhado.

O Plano de Imanência contempla o propósito pedagógico, e como o próprio termo indica, age como um fator pulsão que imprime sentido em todas as ações. O Plano de Gestão define as relações entre os actantes no processo e tem um caráter cooperativo e compartilhado ancorado no princípio da autonomia e auto-organização. O Plano Infra diagnostica e viabiliza condições pessoais, físicas, tecnológicas e financeiras, garantindo a ambiência pedagógica necessária aos propósitos e gestão. Pode-se entender melhor esta proposta visualizando a figura abaixo.

Construindo um Plano de Imanência

(Imagem no arquivo original: Clique aqui)


Esta proposta está em discussão e, além de indicar um programa em três dimensões, desdobra-se numa taxionomia de indicadores referenciais para cada um de seus planos, fatores e elementos. Esta taxionomia está fundamentada em nossa tese TERTIUM: o novo modo do ser, do saber e do apreender (Construindo uma Taxionomia para Mediação Pedagógica em Tecnologia de Comunicação Digital).

Este texto não é conclusivo, e sim tem um caráter de proposição aberto a discussão e sugestões, com o propósito de fertilizar a construção da taxionomia, buscando o reomodo como diz David Bhom ( 1998)

Referências bibliográficas

BOHM, David. A totalidade e a Ordem Implicada: uma nova percepção da realidade. São Paulo: Cultirx, 1998

CATAPAN, Araci Hack TERTIUM: o novo modo do ser, do saber e do apreender (Construindo uma Taxionomia para Mediação Pedagógica em Tecnologia de Comunicação Digital ) Florianópolis: UFSC, 2001 www.eps.ufsc.br/ppgep

DELEUZE Gilles. Diferença e repetição. São Paulo: Graal, 1988

_____. A dobra: Leibniz e o Barroco. São Paulo: Papirus, 2000